sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Caim e Abel
Foi em 1952 ou 1953. Ainda se achava que a televisão era algo que não teria vida longa, nada mais que um modismo. Os aparelhos existentes na cidade de São Paulo podiam se contar nos dedos de cem mãos. No meu bairro, o Jardim da Saúde, não havia ainda nenhum e por isso, quando J. Silvestre, que depois faria notável carreira, convidou quatro alunos do Colégio Alfredo Pucca a participar de um programa de perguntas e respostas, na TV Tupi, eu, que era um dos convidados, não pude pedir a ninguém que assistisse. Aparecer na televisão, nessa época, era a maneira mais segura de permanecer no anonimato. Essa circunstância, que no início me frustrou, foi no final da história motivo de grande alívio para mim. Eu e os outros três concorrentes pegamos uma noite um ônibus para o Sumaré e dali a pouco lá estávamos no estúdio, sentados diante da câmera. Atrás de cada um de nós, em pé, havia uma garota-propaganda, cuja função consistia originalmente em ler mensagens comerciais. Não havia ainda videoteipe e elas, durante a programação, eram obrigadas a fazer ao vivo suas apresentações, o que divertia os pouquíssimos telespectadores, porque era comum, por exemplo, um liquidificador, ao ser ligado, dar-se ares de grande estrela e derramar seu conteúdo sobre a apresentadora de suas virtudes ou simplesmente se recusar a funcionar, por ser incompatível com a tomada. Na noite do programa de J. Silvestre, ele, já com o desembaraço que o tornaria célebre, ia lendo as perguntas e em seguida dizia o nome do candidato que deveria responder. Este recebia nas costas um toque de mão (para dizer a verdade, um cutucão) de uma das garotas-propaganda, levantava-se instantaneamente e precisava responder sem um segundo de hesitação. Eu estava indo muito bem e talvez fosse o vencedor, se J. Silvestre não tivesse astutamente me perguntado, à queima-roupa: "Quem Abel matou?" "Caim", eu respondi, ao mesmo tempo em que me levantava da cadeira como se tivesse sido disparado por uma catapulta. Os risos das trinta ou quarenta pessoas do auditório que tinham acabado de assistir a essa desastrada deturpação foram um insuportável preço que tive de pagar. Fosse hoje, eu precisaria me disfarçar por uns bons dias para andar pelo meu Jardim da Saúde.
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