segunda-feira, 2 de abril de 2012
Latim para sobreviver
Houve um tempo - uns cinquenta anos atrás - em que, movido pelo instinto de sobrevivência, me vi redator do Quem É Quem, edição brasileira do Who's Who, publicação destinada a catalogar personalidades (não se falava ainda de celebridades) da indústria, do comércio, das artes. Quem não fosse personalidade poderia adquirir o direito à honraria desde que se comprometesse com o editor a comprar determinado número de exemplares. Era necessário que alguém escrevesse um texto laudatório para justificar essa inclusão. Na entrevista a que me submeteu para explicar como seria meu trabalho, um senhor com jeito de vilão dos livros de Charles Dickens discorreu sobre a vaidade humana e me instruiu a não economizar adjetivos nos textos. Segui o conselho e me saí bem. Fundadores de fábricas de grampos de cabelo, de artefatos de madeira, de graxa para sapatos eram todos, quando eu falava deles, eminentes e pioneiros, no mínimo. Mas satisfação, mesmo, eu causei com um texto que começava com uma citação latina. Meu patrão não hesitou em me sugerir que frases latinas constassem de todos os textos. E assim fui, distribuindo In hoc signo vinces e Per aspera ad astram como se fossem comendas. Essas reminiscências me vieram ao ler a saborosíssima crônica de Humberto Werneck publicada ontem no Estadão. Ah, que saudade me deu aquele tempo em que sempre levava na axila, além do desodorante, um dicionário de citações latinas. Pena que não tenha tido a ideia de, com o dinheirinho que ganhava com essa atividade, comprar também para mim um cantinho entre as personalidades. Ah, que bom escritor eu sairia do meu texto.
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