quinta-feira, 23 de maio de 2019

Trégua

Quando ele e ela se abraçam, nus, o quarto é tomado por uma irritação que logo chega à exasperação. É como inimigos que se tratam nos vinte minutos em que a cama chega a mudar de lugar, com as estocadas dele e as respostas dela, e o criado-mudo cai de pernas para o ar. Não se falam depois, por um bom tempo. Se dissessem algo, seriam certamente palavras que proclamassem a vitória de um, ou de outro. A atmosfera animal começa a se romper só quando ela reergue o criado-mudo, apanha um cigarro, o acende, dá meia dúzia de tragadas fundas e o coloca nos lábios dele, em cujo rosto os traços de humanidade vão se recompondo, assim como os dela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário