quinta-feira, 12 de julho de 2018

"Minha duquesa", de Robert Browning

"Ali está a minha última duquesa
Na parede. Parece viva. Que beleza
De obra! Fra Pandolfo não poupou esforço
E ei-la de corpo inteiro, não em busto ou torso.
Você não quer sentar-se para ver melhor?
Não por acaso mencionei o seu pintor,
Pois não costumo a estranhos olhos desvelar
A profundeza da paixão que há nesse olhar,
Que só a mim é dirigido (pois só eu
Abro a cortina), mas eu sinto, percebeu?,
Que quem a vê logo se indaga: de onde veio
Esse olhar? Com você, meu caro, não receio,
É a mesma coisa. Pois eu digo: simplesmente,
A presença do esposo é pouca para a mente
Que procura a razão para aquela mancha rosa
De prazer no seu rosto. Uma frase ociosa,
Talvez, de Fra Pandolfo. "Eu acho que o seu manto
Cobre demais o pulso", ou: "Não pode tanto
A arte, não, reproduzir não pode o leve
Rubor em sua garganta, a ir e vir tão breve".
Galanteria cortês, não mais - o suficiente
Para fazer brilhar um rosto, de repente.
Tinha um jeito, a duquesa, um coração aberto
Ao gostar... ao olhar... Contentamento certo,
O dela; incerto, o meu ... Ela não distinguia
Entre gozar das graças que eu lhe concedia,
O declínio da luz ao sol poente, o ramo
De cerejas que um bobo serviçal do amo
Lhe oferecia, a mula branca que montava
Pela terraça, a rir - a tudo ela igualava
Com uma boa palavra, ou um rubor, ao menos.
Que agradecesse, tudo bem - mas é somenos
Equiparar o dom dos novecentos anos
Do meu nome a presentes sem nome? Até planos
De dissuadi-la... Rebaixar-me a isso... O dom
Da palavra me falta... E como, alto e bom som,
Chegar a ela, assim: "Olhe, sua atitude
Me desagrada, passou do ponto, mude"?
Que aceitasse o sermão e até mostrasse medo,
Isto, pra mim, seria ceder, e eu nunca cedo.
Claro, meu caro, de passagem, um sorriso
Ela me dava - mas a quem não dava? Aviso
Não dei, dei ordens: os sorrisos, de imediato,
Murcharam. Mas já pode levantar-se... É fato...
Nesse retrato, agora, ela parece viva...
Podemos ir? Embaixo, a companhia festiva
Nos aguarda. Repito: a generosidade
Do conde, seu senhor, sem dúvida há de
Saber pesar a minha justa pretensão
Ao dote da menina, a cujas graças vão
 Os meus melhores sentimentos. De passagem,
Olhe essa peça de escassíssima tiragem:
É um bronze de Netuno domando um delfim,
Que Claus de Innsbruck fez fundir só para mim."

(Do antologia 31  poetas, 214 poemas, tradução de Décio Pignatari, Companhia das Letras.)


Nenhum comentário:

Postar um comentário