segunda-feira, 30 de julho de 2018

"Um sonho", de Ted Hughes

"O seu pior sonho
Realizou-se: batem à porta -
Mais que uma chance em um bilhão,
Um meteorito caído em nossa chaminé,
Com nosso nome escrito nele.

Não são os sonhos, disse eu, porém os astros
Que regem nossa vida. Ânsia de todo o ser,
Inexorável, como quem dorme e respira fundo
Enchendo os pulmões. Você precisava
Levantar só um pouco a tampa do caixão.
Um sonho seu ou meu? Estranha caixa de correio,
Você tirou o envelope. Era
Uma carta do teu pai: 'Cheguei.
Posso ficar com você?' Eu nada disse.
Para mim, todo pedido era uma ordem.
Depois veio a Catedral.
Chartres. Não sei como, chegamos a Chartres.
Para você não era a primeira vez.
Quase só lembro
De um jarro bretão.Você o encheu
Com tudo que tínhamos. Até o último franco.
Disse que era para a tua mãe.
Você vendeu nosso oxigênio
Naquele jarro. Chartres
(Foi o que guardei)
Pairava em torno do seu rosto, uma mantilha,
Enegrecida, um rendilhado de chamusco -
Como se após um incêndio. Feito uma freira
Você cuidava dos restos do seu pai.
Vertendo nossas vidas naquele jarro
No café que ele tomava de manhã. Então você o quebrou,
Reduziu-o a cacos, estrelas grosseiras,
E as deu à tua mãe.

E a você, me disse então, dou o direito
De se lembrar deste sonho. E pensar nele."

(De Cartas de aniversário, tradução de Paulo Henriques Britto, Record.)

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