quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Lírica (419) - A jornada
Chegou ao amor como se tivesse atingido o topo do mais alto monte do planeta. Se não temesse queimar-se, poderia estender o braço e afagar o dorso do sol. Acariciava o rosto da lua e às vezes punha nas mãos em concha um filhote de estrela, para conversar com ele e perguntar-lhe sobre os mistérios do universo. Por algum tempo, sentiu-se em tão grande bem-aventurança que lhe ocorreu a ideia de que talvez fosse um deus. Depois, aos poucos, começou a se lembrar dos passos da jornada que o levara até lá em cima e teve saudade dos degraus que cavara para subir, da neve que o afligira, da fome, do desespero, dos tormentos que sofrera. Resolveu descer, então, e cada passo que dava para longe do topo lhe reforçava a certeza de que, se um dia voltasse a subir, não seria nem pelo sol, nem pela lua, nem pelas estrelas, nem pela bem-aventurança. Seria pelos degraus ansiosamente cavados, pela aflição da neve, pela fome, pelo desespero, pelos tormentos.
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