sexta-feira, 22 de março de 2013
Há momentos...
... em que um homem se sente mais imprestável do que nunca. E é inevitável que, criado dentro do espírito da utilidade e da finalidade, ele pense naquilo. Não sejamos ingênuos. Todos sabem o que é aquilo. É então que São Paulo nos surge com toda a sua gentileza: tantos viadutos, tantas avenidas em que ser atropelado não exige nada além da vontade, tantas lojas de material de construção com cordas rijas, tantas giletes ainda naquelas embalagens antigas, com o rosto do inventor e aquele seu bigode que era quase uma antipropaganda, talvez uma boa navalha ainda, das antigas, numa dessas portinhas em que se encontra de tudo, talvez até a lâmpada de Aladim. Há momentos em que um homem - sobre quem paira a aura do fracasso e cuja verdade mais sincera, talvez a única, é tida como mentira - sente chegada a hora de pelo menos começar a pensar em tantas possibilidades que uma cidade como esta oferece. Talvez um indiano consiga fazer aquilo com delicadeza, simplesmente deixando de respirar. Seria bonito isso. Talvez se pudesse até cobrar ingressos. Mas seria desvirtuar o ato, desmerecer aquilo que às vezes nos atrai por ser o único caminho. É pesado este texto? Talvez, mas só pelo tema, o que é quase um preconceito. Aquilo é a mais legítima demonstração do livre-arbítrio. Estamos entre adultos, eu suponho, e, se fosse outra a época, eu, com a mania de cronista que tenho, suspiraria por um bonde que daria um tom romântico àquilo - quem sabe aquele fechado e vermelho, conhecido como camarão. Não quero que ninguém me imagine instigando o que quer que seja. Caio Fernando Abreu declarou num texto o desejo de ser morto por uma limusine. À falta de bonde, fico em dúvida e por enquanto continuarei escrevendo este blog. Não se asssustem nem se condoam antecipadamente. E só uma brincadeira, como toda crônica costuma ser.
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