terça-feira, 5 de março de 2013

Meu irmão Lourival

A vida foi injusta com meu irmão Lourival. Nos primeiros anos de Brasil, minha família passou por tanta penúria que meus quatro irmãos, apesar de muitíssimo jovens, precisaram trabalhar. Minhas três irmãs empregaram-se em casas de família. Meu irmão Lourival fazia entregas para uma farmácia. Nem elas nem ele puderam estudar. Quando eu atingi idade escolar, a situação já era outra, e fui para um colégio famoso, o Instituto de Ciências e Letras (Alfredo Pucca), que frequentei até terminar o curso clássico. Lourival, apesar da carência de estudos, conseguiu depois, como autodidata, alcançar um conhecimento que o levaria a se destacar numa empresa de conservação de alimentos e o fez ser representante internacional de vendas. Imagino o que ele faria se tivesse tido a oportunidade de estudar, e não eu. Ao contrário de mim, preocupado quase exclusivamente com arte e literatura, ele era um homem politizado e interessado nos problemas do mundo. Era um idealista, como revelou até no último instante de sua vida. Aposentado, doente e sem acesso aos seus depósitos bancários, pelas restrições impostas pelo Plano Cruzado, ele escreveu um bilhete no Dia do Funcionário Público e, com um tiro, marcou seu instante final. Julgava que com esse ato poderia ajudar muitas pessoas. Sei que o senso comum repudia qualquer suicídio, seja qual for sua motivação. Permitam-me que eu lhe dê perdão, se posso achar-me digno de perdoar alguém - eu que tantos pecados tenho sobre os ombros. Escrevi este texto movido pela saudade, mas uma boa desculpa para colocá-lo aqui seria o contexto histórico e econômico da época (década de 1990), que afetou tantas pessoas. Permitam-me usar essa desculpa.

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