sexta-feira, 15 de março de 2013
Monologando com ela
É feliz, agora. Descobriu que o melhor diálogo que pode ter com ela é o monólogo. Abre o micro e escreve o que lhe vem à cabeça, sem censura. Não enviará a mensagem. Não precisará, como antigamente, policiar-se. Poderá dizer-lhe que a ama e colocar o advérbio que bem entender: apaixonadamente, desbragadamente, alucinadamente. Ela não lerá isso, e não poderá dizer, como tantas vezes, que ele é exagerado, nem lhe pedirá que se contenha. Ele vai teclando, usando os verbos que seu coração lhe dita. Em vez de amar utiliza adorar, e a adora tresloucadamente, febrilmente, insensatamente. Se mandasse a mensagem, ela, como sempre fez, o censuraria, exigiria que ele se moderasse, que a esquecesse, que a deixasse. Ele sempre imaginou que ela lhe pedia isso porque havia na história outro homem, um homem de quem ela aceitaria todos os verbos e todos os advérbios, tudo que a ela esse homem dissesse. Hoje ele lê o que escreve no micro, e que não enviará, e - como se fosse um triságio - termina com te amo, te amo, te amo. Talvez agora, neste instante, ela esteja beijando alguém e murmurando te amo, te amo, te amo. Na imaginação, é a ele que ela diz, e então ele repete: te amo, te amo, te amo. E - ah, tolo irremediável! - aproxima os lábios do monitor e o beija bem ali onde acabou de escrever três vezes as duas pequenas palavras. Depois olha pela janela o sol, para que um pouco da vida real o impregne e, como se afogasse um gato recém-nascido na bacia, deleta o texto.
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