quinta-feira, 23 de maio de 2013
Eu gostaria hoje...
... de ser desavergonhadamente piegas. Eu gostaria de usar os lugares-comuns mais execrados pelos críticos, as metáforas mais gastas e aquelas rimas às quais nem o mais novato dos poetas ousaria recorrer. Rimar amor com dor, coração com paixão, comparar o frio da tarde com o gelo da vida. Eu gostaria de ser um camponês recentemente alfabetizado compondo um poema de amor para uma inalcançável cozinheira de rosto rubicundo e braços robustos. Eu gostaria de ser um carroceiro subitamente espantado com a beleza de um céu cheio de estrelas, vendo em cada uma delas um olho da noite. Eu gostaria de ser invencivelmente banal, de definir as lágrimas como queixas do amor e recados do coração. Eu gostaria de escrever um poema estupidamente simples e copiá-lo com a minha letra mais caprichada. Eu gostaria de levá-lo a uma camareira inatingível de olhos desconfiados, a uma lavadeira de sovacos escandalosamente peludos, a uma ordenhadora de nariz verruguento. Eu gostaria de levá-lo à mais fácil das rameiras e à viúva mais seca e antiga e, sendo rejeitado por todas, afogar-me no riozinho da aldeia, se também suas águas não me desprezassem.
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