sexta-feira, 1 de março de 2013
No jornal (Major Quedinho) - 51 - O pilãozinho
Se alguém quiser ter ideia de como é difícil o trabalho de um revisor, basta abrir uma gramática e ler algumas daquelas palavras: perífrase, anacoluto, sinédoque, hipérbole, ectlipse. São centenas de assustadoras esfinges desafiando: decifra-me ou te devoro. E as crases, e os verbos irregulares, e as duplas regências. E os plurais de palavras compostas e aquelas enlouquecedoras combinações para definir as cores: azul-marinhos, azuis-marinho, azuis-marinhos ou nenhuma delas? Quando penso que um revisor precisa lidar diariamente com esses inimigos todos e que eu mesmo os enfrentei por tanto tempo, mantendo-me miraculosamente vivo, sinto certo orgulho, confesso. Porque não só a atividade profissional é afetada pelos monstros gramaticais, mas também a vida do revisor. Contar rapidamente o que aconteceu a um deles será bastante esclarecedor. Eu o chamarei de vítima, porque é o que ele foi, como logo se verá. Depois de alguns meses de namoro, ele foi convidado a visitar a família da amada. Era um domingo, mas os inimigos dos revisores nunca descansam. Muito bem recebido, nosso protagonista foi sendo levado pela mãe da namorada para conhecer a casa. Ao chegarem à cozinha, vendo um pilão na pia, ele disse: "Ah, aquilo ali é um pilãozinho de socar alho." A namorada gargalhou, a mãe gargalhou e, se ela não fosse viúva, o pai também gargalharia. O revisor ficou quase mudo durante o resto da visita, mas de vez em quando alguém se lembrava do pilãozinho e sorria. O namoro continuou, mas, se dependesse do cacófato, teria acabado na cozinha.
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