quarta-feira, 3 de julho de 2013
O coração
Numa tarefa que me impus recentemente, venho fracassando como fracassei em todas as outras importantes ao longo de minha vida. Como eu gostaria de ter o coração duro, pétreo, insensível. De quantas desgraças ele me pouparia, se fosse assim. Quando nasci, alertaram minha família: eu tinha o coração fraco. Um exame, já em idade adulta, comprovou que era verdade. Não lembro agora o termo médico que constava no laudo. Naturalmente é uma anomalia física, e nunca chegou a me preocupar. Fraqueza maior foi aquela a que me induziram os poetas do romantismo, tornando-me um viciado sem volta. O amor foi injetado por esses poetas em mim na juventude e perturbou tanto a minha mente que nunca me livrei dele. Sou um dom-quixote, e bem melhor proveito eu teria se tivesse sido um dom-juan. Às vezes imagino ser ou a reencarnação de uma daquelas donzelas bem antigas que se encerraram em claustros e neles morreram porque lhes foi negado se entregarem aos seus amados, ou ser um desses amados que, tendo-lhes sido negado ver a amada, se engajaram como tripulantes daqueles navios que enfrentavam o mar e só chegavam ao destino por puro milagre. Meu coração é um jarro de porcelana e, em vez de execrá-lo, eu o seguro sempre como se segurasse um pássaro recém-nascido, em cima de um tapete felpudo.
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