terça-feira, 2 de julho de 2013
Será uma...
... boa tarde, quem sabe. Dependerá do livro que eu ler, provavelmente Crônica de uma vida de mulher, de Arthur Schinitzler, autor que, antes de Elfriede Jelinek (a partir de ontem um irremovível marco para mim), explorou os obscuros cantos da fascinante mente humana. Há muito, já, não vivo, no sentido usual que se dá ao verbo. Minha vida é aquela que, sem dentes já para a vida normal, eu pego, em colheradas, nos livros, como um velhote tomando sua sopa. Sou um velhote sem direito ainda a um asilo, sentado num sofá que me dá a garantia de não se mover um centímetro sequer, para lado nenhum. Tomo minha sopa, sem me aventurar a mordiscar um pedaço de carne. Pode fazer-me mal. Os personagens dos livros cravam os dentes na carne, por mim, aventuram-se em incursões de voyeurismo, debatem-se entre Deus e o Diabo, têm acessos babosos de luxúria, estremecem de gozo. Eu os acompanho com simpatia, empresto-lhes toda a energia que ainda mantenho, e cochilo depois, com o cansaço da aventura. Melhor assim. Minha covardia de sempre encontrou um aliado na velhice e eu, meio cúmplice, meio testemunha, vou, com os espasmos de vida dos heróis folhetinescos, simulando ainda estar vivo, também.
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