quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Há quem veja

Há quem veja no amor uma oportunidade de entretenimento, uma forma de alimentar celulares, alguma coisa que, como tantas outras, se tira e se coloca nas agendas. É um modo saudável de ver a vida: você não sofre, eu não sofro, ninguém sofre nem corre o risco de ser apontado nas redes e na rua como aquele cara, que horror!, que escreve versinhos e fala em se matar toda vez que a amada acha feias as rosas que ele mandou. Houve tempo em que estes, os babacas de hoje, compunham tangos nos quais cada nota vertia lágrimas, sangue ou os dois: lágrimas e sangue. Eu teria feito talvez um belo tango, daqueles cujas letras não se contentavam em matar um coração, mas o estraçalhavam, o despedaçavam como se fossem partes de um cordeiro atiradas depois na Calle Florida. Eu poderia, sim, ter feito um desses tangos alucinados, eu gostaria de tê-lo feito. Faltando-me habilidade para isso, escrevinhei meus versinhos, que contavam sempre com a absolvição prévia de terem sido inspirados pelo amor. Por amor eu quase fui parar na Índia. Deixaria tudo para trás, ah, deixaria. Foi bom não ter ido, dizem-me os que me viram babando amor como um possesso. Talvez tenha sido. Eu teria sofrido. Teria feito sofrer. Mas que diabo é o amor se for pautado pelo bom-senso? Uma foto que se puxa no celular, um encontro que se marca ou desmarca conforme seja quarta ou quinta-feira? Uma foto de homem que se mostra, entre trinta e sete outros, com o comentário: "Esse também não me dava sossego"? Eu sou aquele babaca, e me orgulharia de ser o único, que acreditou na existência da Índia e aprontou as malas para ir conhecê-la. No dedo que um dia pousou sobre ela, no mapa, ainda há um desses brilhos que só os babacas enxergam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário