"Como foi que me tornei tão zelosa? Fui sempre assim?
Saindo por aí quando criança com uma vassourinha e uma pá,
varrendo a sujeira que eu não tinha feito,
ou lá fora no jardim com um ancinho mirrado,
tirando o mato dos jardins dos outros
- a sujeira era soprada de volta, o mato crescia, apesar dos meus esforços -
e com uma carranca de desaprovação o tempo todo
ante a irresponsabilidade dos outros, e a minha própria escravidão.
Eu não executava essas tarefas de bom grado.
Queria estar no rio, ou dançando,
mas algo me segurava pela nuca.
Essa também sou eu, anos mais tarde, um caco,
de olhos roxos,
porque o que tinha de ser terminado não fora, e fiquei acordada até tarde,
rabugenta como uma cobra, tomando café demais,
e ainda mais adiante, aqueles grupos compostos
de murmúrios
e repreensões, e a exortação-padrão:
Alguém devia fazer alguma coisa!
Era a minha mão se levantando rapidamente.
Mas eu me demiti. Descartei o aperto do meu eco.
Decidi usar óculos escuros, e um colar
adornado com a palavra dourada NÃO,
e comer flores que não cultivei.
Por que me sinto, contudo, tão responsável
pelo choro que vem das casas em ruínas,
por defeitos de nascença e guerras injustas,
e a tristeza macia e insuportável
que escoa das estrelas distantes?"
(Do livro A porta, tradução de Adriana Lisboa, publicado pela Rocco.)
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