"Esta mulher provém de círculos autenticamente burgueses. Cresceu na propriedade e na eficiência, em esferas nas quais o senso prático e a ponderação se contam entre os valores supremos. Não foi além de alguns poucos prazeres românticos em sua vida, e precisamente por isso os aprecia, no fundo de sua alma. Nem por isso está morto o que uma mulher é obrigada a ocultar cuidadosamente do marido e do mundo para não passar por uma 'gansa espevitada', porém continua vivendo uma vida bastante peculiar na estreiteza e no silêncio. Um belo dia, surge uma pequena ocasião que te acena e solicita com o olho comprido, e o que andava meio esquecido pode recobrar calor e vida, ainda que por um breve tempo. Aquele que pode comparecer em público com sua prazerosa alegria e avidez, a quem as condições de vida fácil e agradavelmente o permitem, acaba por enfraquecer-se a ponto de apagar na alma e no coração tudo o que ali ardia. Não, essa mulher não tem qualquer noção das cores ou coisa semelhante, nada compreende dos rituais da beleza e, justamente por isso, é capaz de sentir o que é belo. Nunca teve tempo de ler um livro recheado de pensamentos elevados e nem uma só vez chegou a refletir sobre a diferença entre o sublime e o vulgar, mas a nobre imaginação agora a visita, e o sentimento mais profundo, atraído por sua ignorância, com suas asas molhadas banha-lhe a consciência."
(De O ajudante, tradução de Zé Pedro Antunes, publicado pela Arx.)
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