terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O menino

É de madrugada
que dói mais

É de madrugada
(quando os amores apaziguados
se permitem dormir
e até ressonar discretamente)
que os amores frustrados
que os amores doentes
se põem a gemer e chorar

Teria sido tão simples
quando o amor era
ainda um menino
deixá-lo como era
sempre menino
e proibi-lo de
querer e sonhar

Teria sido tão fácil

Por que não pensamos nisso
por que não fizemos isso?

Nós deixamos crescer o amor
e hoje amiga
se quisermos sufocá-lo
como podíamos ter feito
tanto tempo atrás
que horrível grito
ele não dará
que pavoroso escândalo
ele não fará
quando um de nós
sorrateiro
lhe enfiar
na boca o travesseiro?

Ele não me deixa
dormir nem um pouco
ele não te deixa
dormir nada
e a minha cama
e a tua cama
são estrados de pregos
quando chega a madrugada

Eu me espeto inteiro aqui
tu te espetas inteira aí
e sangramos
sangramos

Qual de nós terá
enfim a coragem
de asfixiá-lo?

E qual de nós dois
arrastará seu corpo
outrora franzino
corpo de frangote
corpo de menino?

Quem o enfiará
pesado e cambaleante
no elevador
e conseguirá
fazê-lo passar adiante
sem suspeitas
pela portaria?

Quem de nós ligará?

Eu para ti
ou tu para mim?

Quem dirá
e com que voz
as duas sinistras palavras
quem murmurará
a nossa senha
está feito
e quem -
você aí
ou eu aqui? -
primeiro dormirá?

Quem no dia seguinte
dirá mais convincentemente
que era preciso
que não havia como evitar
que era impossível tolerar
aquele meninote
já se achando gente?

E poderemos
será que poderemos
nos esquecer dele
e algum dia até
sentar-nos a uma mesinha
daquele bar
onde lhe pagamos
com tanta alegria
seu primeiro café?

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