domingo, 20 de fevereiro de 2011

Alô

Estou bem agora
não te preocupes

Insônia? Não tenho mais
Já consigo dormir
da meia-noite
ao meio-dia
e quando acordo
esparramo os sonhos no lençol
e te procuro neles
e neles encontro
como ontem encontrava
tuas palavras
teus gestos
minha tristeza
minha alegria


Nos meus olhos
há sempre lágrimas
desde que me levanto
mas não te preocupes
eles são mesmo assim
estes meus olhos

Viciaram-se em chorar
e não há mais
como salvá-los do vício

Choram em cima
da sopa de pacote
choram no miojo
choram na toalha
choram nos talheres
choram na minha boca
enquanto eu como
e são o abençoado sal
do meu almoço
(já vês que estou
me alimentando sim
não te preocupes)
e também o doce alívio
de minha alma


Choram
quando pego os jornais
e por isso os descarto
(não quero chorar
por líbias irãs e egitos
e já não me importam
as declarações de guerra
e os tratados de paz)

Choram
quando apanho livros
e por isso não os leio
desculpem virginias
desculpem katherines
minha emily meu cisne adorado
mas já choro tanto
poupem-me de chorar mais

Choram choram choram
só fazem isso
estas lágrimas

Quero livrar-me delas
ah como gostaria
mas que psiquiatra
que sanatório
que manicômio
essas loucas aceitaria?

Choram quando abro a janela
choram para a rua e para o sol
e choram para a lua
e sobre o poema
se começo a escrevê-lo

Choram
choram
mas não te preocupes

Quando não aguento mais
deito-me no sofá
e durmo de novo
e às vezes
até emendo o sono
da tarde ao da noite
e me empenho
em esquecer-me de tudo
até de ti
embora os olhos
assim que acordo
insistam em dizer
que mais uma vez
não consegui
e embora também a razão (!)
pobre escrava do coração
me advirta sempre
de que posso
esquecer-me de tudo
mas jamais poderei
esquecer-me de ti

São essas as notícias

Ah, talvez gostes de saber
que neste instante
estou esparramando
os sonhos da tarde
em cima do sofá
para ouvir de novo
o que me dizias
enquanto eu dormia
e te agradeço
pela tristeza
que neles houveres deixado
e pela alegria

Estou bem
sim
não te preocupes

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