sábado, 27 de abril de 2013
A bailarina
Faz dois anos que mora sozinho. Talvez um pouco menos, provavelmente bem mais. Estar só, sem jornal nem tevê, é abolir o tempo. Vive apenas no espaço, num apartamento de cinquenta metros quadrados, grande demais para ele. Passa os dias na sala, no sofá, e dorme também nele. Conversa com os objetos, principalmente os bibelôs. Estão cobertos de pó, desde que a mulher morreu. Fala muito com a bailarina espanhola, pergunta-lhe se o pé está melhor. Tem remorso, porque foi ele que o quebrou quando ela era jovem e poderia ainda pensar numa carreira. Fala também com o moinho e não consegue entender como Dom Quixote pôde indispor-se com criatura tão dócil. Se alguém entrar no apartamento, mesmo que só por uns instantes, dirá que ele é louco e que é urgente interná-lo. Certamente o trancarão se souberem que, quando bebe, põe a bailarina no colo e diz, entre lágrimas: "Te quiero mucho, sabes?"
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