sexta-feira, 26 de abril de 2013
A pequena glândula
Extraíram-lhe uma glândula de pronúncia proparoxítona e quando, cinco dias depois, ele saiu do hospital, não sentiu falta nenhuma dela, exatamente como lhe tinham dito os médicos. Seu corpo continuava o mesmo, tudo no lugar, respirando e caminhando. Apenas o braço doía um pouco, onde ficara enganchado o soro, e sentia um pequeno incômodo na pelve, causado pelos esparadrapos do curativo. Somente algumas semanas depois ele teve a dolorosa revelação de que pequenas coisas às vezes podem ser tudo. E passou a baixar os olhos quando por ele passavam mulheres, especialmente as belas. Hoje, no shopping, ao subir a escada rolante, viu na escada oposta uma mulher esguia, com um cinto largo que ressaltava seus seios e suas nádegas. Ela sorriu, um sorriso inequivocamente dirigido a ele, e isso o obrigou a parar quando chegou ao piso superior. Não enxergava mais nada. Lágrimas desciam-lhe pelo rosto. Sentou-se num banquinho e ali ficou até a crise de choro passar. Quando recuperou a visão, notou que estava diante de uma vitrine de moda íntima feminina. Manequins exibiam sutiãs e calcinhas. Desviou rapidamente os olhos, levantou-se, pegou a escada rolante para descer, chegou ao saguão, saiu. Felizmente a noite havia chegado. Não havia ninguém por perto, na rua. Ele então encostou a testa no muro de uma casa e, descobrindo ter lágrimas ainda, chorou e soluçou como só podem chorar e soluçar homens que de uma hora para outra se sentem trapaceiros quando, ao preencher uma ficha, depois do pontilhado que se segue à palavra gênero escrevem a palavra masculino.
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