terça-feira, 27 de maio de 2014
Eu não sou assim
Ela nunca beija; deixa-se beijar. Suas mãos não se movem enquanto as alheias, depois de percorrê-la às apalpadelas, a conduzem ao quarto. Na cama, ela também não se mexe. Aceita as investidas e as estocadas com resignação de prisioneira. Imagina-se talvez mártir, anseia pela dor e pela humilhação da carne, concentra-se no sofrimento e, quando consegue atingi-lo plenamente, seu parceiro, se é novo, se espanta e se assusta ao ver como ela abruptamente muda de posição e passa a montá-lo, como pesa sobre o seu corpo e como se torce, retorce e contorce sobre ele, parecendo querer esmagá-lo. Esse ímpeto não costuma se estender por mais que três minutos, durante os quais ela berra vogais de autoincitação e palavrões. Depois, ela apeia, rola para o lado e, deitada novamente de costas, começa a se desculpar: "Eu não sou assim, eu juro, eu não sou assim." É o momento em que o parceiro, se for um dos que já a conhecem bem, voltará a beijá-la e a dizer-lhe santa, minha santa querida, minha preciosa, até que se dê outra vez a transformação.
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