terça-feira, 31 de julho de 2018
Justiça literária
Não foram os críticos que exterminaram os sonetos do velho poeta, por décadas apontados por ele como superiores aos de Shakespeare. Gerações de traças se encarregaram da tarefa de acabar com a dúvida. Julgando com uma inquestionável sabedoria, devoraram tudo que na estante fosse soneto ou parecesse, e nunca relataram qualquer dano à eupepsia.
Essência (para Jiro Takahashi)
Os milagres em poesia são discretos. Não se deixam ver; são só uma inquietação no ar, um rumor, uma insinuação de haicai.
Ainda que pouco
Apesar de tudo, a poesia ainda torna o nosso rosto um pouco mais humano diante do espelho.
Nem Mario
Era um gatinho tão doente, fraco e desgracioso que até Mario Quintana teria dificuldades para lhe conseguir lugar num poema.
Ofício
Existem hoje tantos especialistas em beleza que não estranharei se houver um que tenha como tarefa e ganha-pão avaliar arcos-íris.
Sobre o dever de optar
O sim e o não nos acompanham desde sempre. Até os últimos dias somos intimados a fazer escolhas. Lembro-me de como, na adolescência, me incomodava, como se fosse uma falha moral, eu não conseguir resolver se minha estação preferida era a primavera ou o verão. Ah, tempo feliz! Hoje, bem diversa é minha dúvida existencial: sou um macróbio ou aceito o eufemismo atroz e me considero um homem de terceira idade?
Obra magna
Nos seus últimos dias, o concretista encerrou-se no sótão do seu mais famoso poema e lançou-se à tarefa de verter para o esperanto o texto da pedra de Roseta.
2018 (para Rose Marinho Prado)
Linguagem comportada,
pronomes no lugar -
não há mais
burgueses a espantar.
pronomes no lugar -
não há mais
burgueses a espantar.
segunda-feira, 30 de julho de 2018
"Um sonho", de Ted Hughes
"O seu pior sonho
Realizou-se: batem à porta -
Mais que uma chance em um bilhão,
Um meteorito caído em nossa chaminé,
Com nosso nome escrito nele.
Não são os sonhos, disse eu, porém os astros
Que regem nossa vida. Ânsia de todo o ser,
Inexorável, como quem dorme e respira fundo
Enchendo os pulmões. Você precisava
Levantar só um pouco a tampa do caixão.
Um sonho seu ou meu? Estranha caixa de correio,
Você tirou o envelope. Era
Uma carta do teu pai: 'Cheguei.
Posso ficar com você?' Eu nada disse.
Para mim, todo pedido era uma ordem.
Depois veio a Catedral.
Chartres. Não sei como, chegamos a Chartres.
Para você não era a primeira vez.
Quase só lembro
De um jarro bretão.Você o encheu
Com tudo que tínhamos. Até o último franco.
Disse que era para a tua mãe.
Você vendeu nosso oxigênio
Naquele jarro. Chartres
(Foi o que guardei)
Pairava em torno do seu rosto, uma mantilha,
Enegrecida, um rendilhado de chamusco -
Como se após um incêndio. Feito uma freira
Você cuidava dos restos do seu pai.
Vertendo nossas vidas naquele jarro
No café que ele tomava de manhã. Então você o quebrou,
Reduziu-o a cacos, estrelas grosseiras,
E as deu à tua mãe.
E a você, me disse então, dou o direito
De se lembrar deste sonho. E pensar nele."
(De Cartas de aniversário, tradução de Paulo Henriques Britto, Record.)
Realizou-se: batem à porta -
Mais que uma chance em um bilhão,
Um meteorito caído em nossa chaminé,
Com nosso nome escrito nele.
Não são os sonhos, disse eu, porém os astros
Que regem nossa vida. Ânsia de todo o ser,
Inexorável, como quem dorme e respira fundo
Enchendo os pulmões. Você precisava
Levantar só um pouco a tampa do caixão.
Um sonho seu ou meu? Estranha caixa de correio,
Você tirou o envelope. Era
Uma carta do teu pai: 'Cheguei.
Posso ficar com você?' Eu nada disse.
Para mim, todo pedido era uma ordem.
Depois veio a Catedral.
Chartres. Não sei como, chegamos a Chartres.
Para você não era a primeira vez.
Quase só lembro
De um jarro bretão.Você o encheu
Com tudo que tínhamos. Até o último franco.
Disse que era para a tua mãe.
Você vendeu nosso oxigênio
Naquele jarro. Chartres
(Foi o que guardei)
Pairava em torno do seu rosto, uma mantilha,
Enegrecida, um rendilhado de chamusco -
Como se após um incêndio. Feito uma freira
Você cuidava dos restos do seu pai.
Vertendo nossas vidas naquele jarro
No café que ele tomava de manhã. Então você o quebrou,
Reduziu-o a cacos, estrelas grosseiras,
E as deu à tua mãe.
E a você, me disse então, dou o direito
De se lembrar deste sonho. E pensar nele."
(De Cartas de aniversário, tradução de Paulo Henriques Britto, Record.)
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Hipótese
Consta que os poemas concretos foram os primeiros a acolher projetos de aquecimento solar.
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Conforto
Nada como um poema concretista quando abre sua piscina para as crianças num dia de sol.
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"As mulheres", poema de Gabriele D'Annunzio
"Houve mulheres serenas,
de olhos claros, infinitas
no seu silêncio,
como largas planícies
onde um rio ondeia;
houve mulheres alumiadas
de ouro, êmulas do Estio
e do incêndio,
semelhantes a searas
luxuriantes
que a foice não tocou
nem o fogo devora,
sequer o dos astros sob um céu
inclemente;
houve mulheres tão frágeis
que uma só palavra
as tornou escravas
como no bojo de uma taça
emborcado
se aprisiona uma abelha;
outras houve, de mãos incolores,
que todo o excesso extinguiam
sem rumor;
outras, de mãos sutis
e ágeis, cujo lento
passatempo
era o de insinuar-se entre as veias,
dividindo-as em fios de meada
e tingindo-as de azul-marinho;
outras, pálidas, cansadas,
devastadas pelos beijos,
mas reacendendo-se de amor
até à medula,
com o rosto em chamas
entre os cabelos oculto,
as narinas como
asas inquietas,
os lábios como
palavras de festa,
as pálpebras como
violetas.
E houve outras ainda.
E maravilhosamente
eu as conheci."
(Tradução de David Mourão-Ferreira.)
de olhos claros, infinitas
no seu silêncio,
como largas planícies
onde um rio ondeia;
houve mulheres alumiadas
de ouro, êmulas do Estio
e do incêndio,
semelhantes a searas
luxuriantes
que a foice não tocou
nem o fogo devora,
sequer o dos astros sob um céu
inclemente;
houve mulheres tão frágeis
que uma só palavra
as tornou escravas
como no bojo de uma taça
emborcado
se aprisiona uma abelha;
outras houve, de mãos incolores,
que todo o excesso extinguiam
sem rumor;
outras, de mãos sutis
e ágeis, cujo lento
passatempo
era o de insinuar-se entre as veias,
dividindo-as em fios de meada
e tingindo-as de azul-marinho;
outras, pálidas, cansadas,
devastadas pelos beijos,
mas reacendendo-se de amor
até à medula,
com o rosto em chamas
entre os cabelos oculto,
as narinas como
asas inquietas,
os lábios como
palavras de festa,
as pálpebras como
violetas.
E houve outras ainda.
E maravilhosamente
eu as conheci."
(Tradução de David Mourão-Ferreira.)
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Tresmalhada
Ovelha, só quem não quer não vê:
o guardador dos meus rebanhos
perdeu todos por você.
o guardador dos meus rebanhos
perdeu todos por você.
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Oferta
Vendo minha primogenitura
por um prato de lentilha
e dois de literatura.
por um prato de lentilha
e dois de literatura.
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Datas
Estatísticas registram que é nos dias 15 e 16 que as famílias mais se lembram daqueles defuntos que deixam menos saudades do que carnês para saldar.
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Fuga
Quando o ônibus foi sacudido por uma freada, o gerente de cabaré que havia acabado de estrangular a stripper escapou da página 25 para a 26 da novela policial e, escorregando com ela das mãos do passageiro da última fileira, escondeu-se embaixo da poltrona vizinha.
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domingo, 29 de julho de 2018
Poderosa
A literatura, se fosse tola o bastante para ouvir meus apelos, precisaria ser Deus - ou sua representante - para atendê-los.
Frase de Sylvia Plath
"Respirei fundo e escutei o orgulhoso som do meu coração. Eu sou, eu sou, eu sou."
Em defesa do joio
Hoje na revista Rubem começo uma campanha pela preservação do joio
https://rubem.wordpress.com/2018/07/29/um-tantinho-de-joio-raul-drewnick/
https://rubem.wordpress.com/2018/07/29/um-tantinho-de-joio-raul-drewnick/
sábado, 28 de julho de 2018
"Bolsistas da Fulbright", de Ted Hughes
"Onde teria sido, no Strand? Notícias
Em exposição, fotografias.
Não sei por quê, me chamou a atenção
Uma foto da mais recente leva
De bolsistas da Fulbright. Prestes a vir
Ou recém-chegados. Ao menos alguns.
Você era um deles? Examinei a foto,
Não muito a fundo, me perguntando quais
Eu talvez viesse a conhecer.
Lembro de ter pensado nisso. Não lembro
Teu rosto. É claro que olhei mais
Para as moças. Reparei talvez em você.
Quem sabe a avaliei, e achei pouco provável.
Vi seus cabelos longos, ondas soltas -
A franja à Veronica Lake. Não o que ela escondia
Loura, eu teria pensado. E o seu sorriso.
Seu sorriso americano exagerado
Para as câmeras, os juízes, os estranhos, os atemorizadores.
Depois esqueci. Mas me lembro
Do fato: os bolsistas da Fulbright.
Com bagagem e tudo? Pouco provável,
Teriam vindo todos juntos? Eu estava caminhando,
Pés cansados, sol forte, calçados quentes.
Foi então que comprei um pêssego. É o que lembro.
Num quiosque junto à estação de Charing Cross.
O primeiro pêssego fresco que jamais comi.
Tão gostoso que mal acreditei.
Aos vinte e cinco anos mais uma vez me surpreendi
De ver que ignorava as coisas mais simples da vida."
(De Cartas de aniversário, tradução de Paulo Henriques Britto, publicado pela Record.)
Em exposição, fotografias.
Não sei por quê, me chamou a atenção
Uma foto da mais recente leva
De bolsistas da Fulbright. Prestes a vir
Ou recém-chegados. Ao menos alguns.
Você era um deles? Examinei a foto,
Não muito a fundo, me perguntando quais
Eu talvez viesse a conhecer.
Lembro de ter pensado nisso. Não lembro
Teu rosto. É claro que olhei mais
Para as moças. Reparei talvez em você.
Quem sabe a avaliei, e achei pouco provável.
Vi seus cabelos longos, ondas soltas -
A franja à Veronica Lake. Não o que ela escondia
Loura, eu teria pensado. E o seu sorriso.
Seu sorriso americano exagerado
Para as câmeras, os juízes, os estranhos, os atemorizadores.
Depois esqueci. Mas me lembro
Do fato: os bolsistas da Fulbright.
Com bagagem e tudo? Pouco provável,
Teriam vindo todos juntos? Eu estava caminhando,
Pés cansados, sol forte, calçados quentes.
Foi então que comprei um pêssego. É o que lembro.
Num quiosque junto à estação de Charing Cross.
O primeiro pêssego fresco que jamais comi.
Tão gostoso que mal acreditei.
Aos vinte e cinco anos mais uma vez me surpreendi
De ver que ignorava as coisas mais simples da vida."
(De Cartas de aniversário, tradução de Paulo Henriques Britto, publicado pela Record.)
Maldade
Somos cruéis, às vezes, com artistas que nos oferecem tudo em troca de agradinhos que jamais recusaríamos nem ao menos querido de nossos gatos.
sexta-feira, 27 de julho de 2018
Um poema de Ted Hughes
"HORÓSCOPO
Você queria estudar
Os seus astros - os carcereiros
Da sua prisão, o zodíaco. Os planetas
Murmuravam fórmulas babilônicas -
Como os ossos de um xamã. Você temia, com razão,
Que os ossos rugissem muito alto,
Que um ouvido captasse com clareza
O que os ossos sussurravam
Ainda que imersos em carne cálida.
Mas você não precisava calcular
Os graus do seu disruptor do ascendente
Em Áries. Nenhum significado definido - nada mais,
Segundo o livro babilônio,
Que um rosto marcado. Que mágico
Poderia enxergar mais fundo sob a pele?
Para você, bastou olhar
No rosto mais próximo de sua metáfora
Tirada do seu armário ou de seu prato
Ou então do sol, da lua ou dos teixos
Para ver seu pai, sua mãe, ou a mim
A lhe trazer todo o seu Destino."
(De Cartas de aniversário, tradução de Paulo Henriques Britto, Record.)
Você queria estudar
Os seus astros - os carcereiros
Da sua prisão, o zodíaco. Os planetas
Murmuravam fórmulas babilônicas -
Como os ossos de um xamã. Você temia, com razão,
Que os ossos rugissem muito alto,
Que um ouvido captasse com clareza
O que os ossos sussurravam
Ainda que imersos em carne cálida.
Mas você não precisava calcular
Os graus do seu disruptor do ascendente
Em Áries. Nenhum significado definido - nada mais,
Segundo o livro babilônio,
Que um rosto marcado. Que mágico
Poderia enxergar mais fundo sob a pele?
Para você, bastou olhar
No rosto mais próximo de sua metáfora
Tirada do seu armário ou de seu prato
Ou então do sol, da lua ou dos teixos
Para ver seu pai, sua mãe, ou a mim
A lhe trazer todo o seu Destino."
(De Cartas de aniversário, tradução de Paulo Henriques Britto, Record.)
"O carrinho de mão vermelho", de William Carlos Williams
"tanta coisa depende
de um
carrinho de mão
vermelho
esmaltado de água de
chuva
ao lado das galinhas
brancas."
(De Poemas, tradução de José Paulo Paes. Companhia das Letras.)
de um
carrinho de mão
vermelho
esmaltado de água de
chuva
ao lado das galinhas
brancas."
(De Poemas, tradução de José Paulo Paes. Companhia das Letras.)
quinta-feira, 26 de julho de 2018
Dois haicais de Bashô, traduzidos por Gustavo Frade
"INVERNO
O sol de inverno:
a cavalo congela
a minha sombra."
"PRIMAVERA
Borboletas e
aves agitam voo:
nuvem de flores."
O sol de inverno:
a cavalo congela
a minha sombra."
"PRIMAVERA
Borboletas e
aves agitam voo:
nuvem de flores."
"Meia-idade", de Robert Lowell
"A monotonia do solstício de inverno
está agora em mim, Nova York
atravessa-me os nervos,
enquanto percorro
as ruas maceradas.
Quarenta e cinco,
e a seguir?, e a seguir?
A cada esquina,
encontro meu Pai,
da minha idade, ainda vive.
Pai, perdoa as
minhas ofensas
como eu perdoo
aqueles que
tenho ofendido!
Nunca escalaste
o Monte Sião, porém deixaste
pegadas de dinossauro
na crosta
por onde devo caminhar."
(Tradução de João Luís Barreto Guimarães)
Infortúnio
Soprada pela brisa para um lago, a meio caminho de um haicai, a folha foi apanhada, mordida e devorada por uma retórica imensa a serviço de uma ode matrimonial.
quarta-feira, 25 de julho de 2018
"Canção das sombras", de Walter De La Mare
"Toca as delicadas cordas, Músico,
Com tua mão magra e longa;
Abaixo as velas estreladas queimam,
Desmancham-se suavemente na areia;
O velho sabugueiro em sonhos se queixa,
As brasas, em fogo baixo, ardem,
Através dos muros as sombras chegam,
Vêm e vão.
Toca ternamente as cordas, Músico,
Com os minutos monta as horas;
A geada, sem vento, nos batentes
Tece um labirinto de flores;
Fantasmas permanecem no ar que escurece,
Ouvindo pela porta aberta;
A música os chama, os convida a sonhar,
Uma vez mais, a regressar ao lugar."
(Do blog "Viva a poesia", tradutor não anotado.)
Com tua mão magra e longa;
Abaixo as velas estreladas queimam,
Desmancham-se suavemente na areia;
O velho sabugueiro em sonhos se queixa,
As brasas, em fogo baixo, ardem,
Através dos muros as sombras chegam,
Vêm e vão.
Toca ternamente as cordas, Músico,
Com os minutos monta as horas;
A geada, sem vento, nos batentes
Tece um labirinto de flores;
Fantasmas permanecem no ar que escurece,
Ouvindo pela porta aberta;
A música os chama, os convida a sonhar,
Uma vez mais, a regressar ao lugar."
(Do blog "Viva a poesia", tradutor não anotado.)
Desobedecendo à condessa
Numa ocasião na qual não atendi satisfatoriamente a condessa, que me impunha mais rapidez num de nossos exercícios amorosos, ela se irritou e me chamou de mula velha. Se não se tratasse aqui de memórias, eu diria que em seguida ela, para melhor me incitar, me marcou o lombo com chicotadas. E como eu gostaria de, ainda hoje, poder exibi-las.
Amor ao próximo
Jogadores, hoje, chegam aos clubes não para jogar, mas para "ajudar". Assessores transformando o futebol em filantropia.
Cotação do dia
Querem saber como me sinto, exatamente como me sinto? Entrevistem um zero à esquerda.
"Napoleão", de Walter De La Mare
"O que é o mundo, ah, soldados?
Sou eu.
Eu, esta neve inextinguível,
Este norte, este céu;
Soldados, esta saudade
Que nos cerca como túnel
Sou eu."
(Tradução de Ricardo Domeneck.)
Sou eu.
Eu, esta neve inextinguível,
Este norte, este céu;
Soldados, esta saudade
Que nos cerca como túnel
Sou eu."
(Tradução de Ricardo Domeneck.)
O pecado
Serei punido não por alimentar a minha tristeza, mas por tentar fazê-la sedutora aos olhos alheios.
A descoberta
Quando Ted Hughes começou a revelar o hábito de futucar o nariz, era tarde. Sylvia Plath já o havia catalogado como deus.
"Porta aberta", de Theodore Roethke
"Os meus segredos gritam alto.
Não tenho necessidade de língua.
O meu coração oferece hospitalidade,
As minhas portas se abrem livremente
Um épico dos olhos
O meu amor, sem qualquer fantasia.
As minhas verdades estão previstas,
Esta angústia autorrevelada.
Estou despido até aos ossos,
Com a nudez me escudo.
Visto-me a mim mesmo.
Conservo sóbrio o espírito.
A raiva permanecerá.
Os atos dirão a verdade
Em língua exata e pura
Detenho a boca mentindo:
A fúria grita o meu grito mais claro
A uma agonia tonta."
(Tradução de Mário Carvalheira.)
Não tenho necessidade de língua.
O meu coração oferece hospitalidade,
As minhas portas se abrem livremente
Um épico dos olhos
O meu amor, sem qualquer fantasia.
As minhas verdades estão previstas,
Esta angústia autorrevelada.
Estou despido até aos ossos,
Com a nudez me escudo.
Visto-me a mim mesmo.
Conservo sóbrio o espírito.
A raiva permanecerá.
Os atos dirão a verdade
Em língua exata e pura
Detenho a boca mentindo:
A fúria grita o meu grito mais claro
A uma agonia tonta."
(Tradução de Mário Carvalheira.)
terça-feira, 24 de julho de 2018
O encontro
Se Wislawa e Quintana se encontrassem
falariam de coisas que pertencem
ao modesto reino do banal -
de um passarinho visto ontem por ele
de uma gata vista hoje por ela
e do drama que se fossem vistos
no mesmo tempo e lugar
poderiam os dois armar
Falariam de outras coisas simples
que a ninguém ocorreria anotar -
nem ao vento casual
nem ao repórter ocasional
nem ao jovem poeta a quem ensinaram
que se não for rebuscada e árdua
não é legítima a arte poética.
falariam de coisas que pertencem
ao modesto reino do banal -
de um passarinho visto ontem por ele
de uma gata vista hoje por ela
e do drama que se fossem vistos
no mesmo tempo e lugar
poderiam os dois armar
Falariam de outras coisas simples
que a ninguém ocorreria anotar -
nem ao vento casual
nem ao repórter ocasional
nem ao jovem poeta a quem ensinaram
que se não for rebuscada e árdua
não é legítima a arte poética.
segunda-feira, 23 de julho de 2018
Do fim de uma carta
Acabei falando tanto de literatura - e havia mil outras coisas a dizer. Começo a julgar que você está com a razão. É muita presunção minha ficar citando a todo instante esses meus autores favoritos, como se você nunca tivesse ouvido falar deles. E é natural que você se pergunte, como eu me pergunto agora: quando chamo Fernando Pessoa, T.S. Eliot e Sylvia Plath de mestres, não estou de certa forma me enaltecendo como discípulo? Ah, eu não sei. Mas reconheço que poderia falar de você, de nós, disso que parece estar nos acontecendo. Deu-me vontade de escrever sobre você, sobre seus olhos, sobre seus cabelos, mas me vieram imagens que você naturalmente chamaria de metáforas... Deixo então de lado a literatura, por agora, antes que você a amaldiçoe irremediavelmente, e lhe digo que, se for amor isto que nos apanhou tão repentinamente, eu a amo, sem atrever-me a usar um advérbio sequer, para que você mais facilmente me absolva.
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Dupla regência
À tarde, o sol vem dividir espaço com o gato, no sofá. Chega, descansa um pouco e se vai, deixando a sala toda entregue à majestade felina.
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Joguinho
Um dia, num impulso nobiliárquico, a condessa me ordenou: me chama de duquesa. Rainha, eu disse. Ela me pareceu mais satisfeita do que nunca comigo. De vez em quando, repetíamos o joguinho.
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domingo, 22 de julho de 2018
Do meio de uma carta
Volto à literatura, apesar - ou por causa - do ódio que você mostra por ela. É curioso. Você trata a literatura como se fosse mulher e, mais que isso, como se fosse sua rival. É exagero meu? Você praticamente determinou: ou ela ou eu. Isso é como exigir que eu escolha entre viver e... viver.
Fé
Tenho ainda algo que nunca foi tocado, algo que talvez seja o melhor de mim, capaz de fazer com que alguém chore mais convincentemente que eu as lágrimas há tanto tempo nutridas por minha tristeza. Tenho ainda isso, creio ter.
Por que nunca?
Tanta sensibilidade, tanta paixão em meu peito, e essas palavras que não o explodem, que não se libertam, que não se estilhaçam em mil, todas dizendo amor.
Ao menos alguma coisa
Que haja no amor algo de espiritual, para que no fim, quando a carne se tiver fartado e dormir de boca escancarada, os olhos, lendo as cartas dos primeiros tempos, encontrem nelas ainda algum sentido.
Retificação
Receio ter dito, em um dos relatos sobre o período no qual a condesse me manteve cativo, que ela me chamava de bastardo. Óbvio que não. Ela não desperdiçaria um eufemismo comigo. Ela dizia a expressão nua e cruamente, com ênfase, alongando o "u" de puta.
Do meio de uma carta
Você me diz que não pode confiar em mim porque eu faço tudo literariamente. Você está certa. E como eu a abençoo por me dizer isso.
Do final de uma carta
Também eu estou ainda aturdido. Não se preocupe. Talvez passe logo. Se não passar, pode ser que seja amor. Se for, estamos perdidos.
Transgressões
Às vezes, o velho se lembra de aventuras amorosas da juventude. Sorri, no sofá. Como ele se arriscava, como se entregava aos impulsos da carne, como acordava de madrugada em quartos estranhos, deitado com mulheres das quais frequentemente sabia pouco além do nome (uma delas, Luana talvez, havia pedido que ele se apressasse porque estava na hora de o marido chegar). Vai se lembrando e sorrindo. Daqui a um ou dois anos sua maior transgressão será acordar no meio da noite, em casa ou no hospital, e, com preguiça, urinar gostosamente na cama.
Única
Os homens poderiam ter duas ou três vidas, que diferença faria? Só os que morressem por amor mereceriam ter uma morte única, esplêndida gloriosa.
sábado, 21 de julho de 2018
Troca
Hipotenusa é uma palavra que faria mais sucesso se saísse dos manuais de geometria e se transformasse em personagem de novelas de terror.
Aviso na porta do quarto
Eu topo aquilo que você sabe
E até aquela coisa feia eu faço.
Mas não me peça nunca um prefácio.
E até aquela coisa feia eu faço.
Mas não me peça nunca um prefácio.
Non bis in idem
Sei bem quanto não valho.
Se um dia for plagiar alguém,
Não será a mim que plagiarei.
Se um dia for plagiar alguém,
Não será a mim que plagiarei.
Face a face
Diga-me, espelho meu,
diga-me, espelho mau,
onde foi que você aprendeu
a me desenhar tão mal?
diga-me, espelho mau,
onde foi que você aprendeu
a me desenhar tão mal?
De Pedro Eiras, sobre a imposição da esperança
"Não é fácil. A nós, hoje, são-nos dadas todas as esperanças. Sobre a morte - nem se fala. E ai de quem ouse afirmar o seu desespero. É demasiado incômodo. Perdemos esse direito: o de não termos esperança."
(Do livro Substâncias perigosas, edição da Casa da Palavra.)
(Do livro Substâncias perigosas, edição da Casa da Palavra.)
sexta-feira, 20 de julho de 2018
Nem sempre
Pedestrianismo não chega a ser um pecado, se você não estiver com uma mala de dinheiro na mão.
Quadrinha cheia de culpa
Tudo que pude ler li.
Bons mestres não me faltaram.
Pena que o que me ensinaram
Não se lê no que escrevi.
Bons mestres não me faltaram.
Pena que o que me ensinaram
Não se lê no que escrevi.
Tanto quanto (para Inês Pedrosa)
Entre Eça e Machado
quem vota num está certo
e quem vota no outro
não está errado.
quem vota num está certo
e quem vota no outro
não está errado.
Hoje no portal do Estadão
Hoje falo de minha especialidade: bijuterias.
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/sextao-de-saldos/
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/sextao-de-saldos/
quinta-feira, 19 de julho de 2018
Frisson
O melhor dos romances policiais está geralmente no primeiro capítulo, aquele no qual a majestosa loira entra no escritório, senta-se, cruza as pernas e soprando tendenciosamente a fumaça de um longo cigarro insinua ao detetive que ele pode receber pelo trabalho algo mais valioso do que alguns dólares.
Questão de mérito
Cada dia ouço menos passarinhos cantando no quintal. Talvez eu não os mereça mais como antes, ou é a minha ameixeira que, velha também, não os acolhe em seus braços atrofiados como os acolhia.
Sobre a beleza
A beleza dói. Li isso há muito tempo em John Steinbeck e não conheço nenhuma frase que exprima melhor a beleza. O belo dói, sim, porque nós o desejaríamos eterno, quando seu maior fascínio talvez esteja em ser um fulgor, um clarão, um instante, nada mais que isso. A beleza nos fere quando se mostra e nos fere mais ainda quando, tentando apreendê-la, sentimos que é impossível. Incapazes são nossas consoantes, nossas vogais para esses acontecimentos únicos para os quais há séculos usamos adjetivos protocolares e tediosos como magnífico, lindo, maravilhoso.
quarta-feira, 18 de julho de 2018
Sonhos na Praia - Raul Drewnick e Antônio Ianovali
Perdoem os trancos e solavancos. Gravação de 1962!!!
Sonhos na Praia - Raul Drewnick e Antônio Ianovali
Perdoem os trancos e solavancos. Gravação de 1962!!!
Dois versos de Byron
"Ódio é prazer comprido, vida e meia:
Ama-se às pressas, com vagar se odeia.
(Tradução de Décio Pignatari.)
Ama-se às pressas, com vagar se odeia.
(Tradução de Décio Pignatari.)
Reserva
Reservemos para os passarinhos
verbos gentis que eles possam usar
quando se cansarem de voar e cantar.
Razões
Pode-se escrever por vaidade, por orgulho, por inveja, por cobiça, por loucura, por tolice. É comum isso, na literatura. Comum também, e talvez pior, é a literatura ser considerada uma religião cujos princípios devem ser mantidos e disseminados por santos homens.
terça-feira, 17 de julho de 2018
Nunca
Morrer sozinho, sem uma testemunha, não é coisa que se recomende. Quantos defuntos até hoje têm sua honra enxovalhada por isso.
Ingredientes de um haicai (para Jiro Takahashi)
Junte um lago e uma lua. Depois, é só esperar que atinjam o ponto. Isso pode durar um ano ou um século. Adicionar um cisne talvez acelere o processo.
Joia (para Celina Portocarrero)
Um haicai não é algo que se procure, é algo que um em um milhão de poetas pode encontrar, e uma vez só em toda a vida.
Corinthians - Música por Antônio Ianovali Neto e Raul Drewnick
Corinthians, que amada terá no nome teu doce "h"?
Dois poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen
"SENHOR
Senhor sempre te adiei
Embora sempre soubesse que me vias
Quis ver o mundo em si e não em ti
E embora nunca te negasse te apartei."
"ATLÂNTICO
Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia."
Senhor sempre te adiei
Embora sempre soubesse que me vias
Quis ver o mundo em si e não em ti
E embora nunca te negasse te apartei."
"ATLÂNTICO
Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia."
Cantiga
Do sol nascido ao sol posto
na porta do velório canta o pipoqueiro
nada como um morto
depois de outro morto.
na porta do velório canta o pipoqueiro
nada como um morto
depois de outro morto.
segunda-feira, 16 de julho de 2018
Pacto
Estou disposto a acreditar em Deus, se ele prometer me ajudar em minhas escrevinhações.
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Anotações talvez finais
Acredito que tenha feito o possível para ser um escritor digno. Teria feito o impossível, se soubesse como.
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Palavras
Não acredito mais que em mim
possa haver ainda palavras promissoras
Consumi todas que havia
há muito tempo já
para construir um edifício
que por minha honra suplico
não perguntem onde está
As que me restaram
são palavras mofinas
que sugerem menos construção
que ruínas
Peguem todas uma a uma
não preciso de mais nenhuma
afastem todas de mim
e se deixarem alguma
que seja aquela curta
que quando começa a se dizer
já chegou ao fim.
possa haver ainda palavras promissoras
Consumi todas que havia
há muito tempo já
para construir um edifício
que por minha honra suplico
não perguntem onde está
As que me restaram
são palavras mofinas
que sugerem menos construção
que ruínas
Peguem todas uma a uma
não preciso de mais nenhuma
afastem todas de mim
e se deixarem alguma
que seja aquela curta
que quando começa a se dizer
já chegou ao fim.
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Tarefa
Deixa-me ouvir tua voz.
Que eu, porque não sei, me cale
E tu, por saberes, fale
E tudo cante por nós.
Que eu, porque não sei, me cale
E tu, por saberes, fale
E tudo cante por nós.
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Dever
Escrevo só escrevo
se bem ou se mal não sei
escrevo só porque devo
escrever e escreverei.
se bem ou se mal não sei
escrevo só porque devo
escrever e escreverei.
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Primeira vez
Depois que fiquei nu, a condessa me deu uma boa espiada e apontou a calça, largada no chão: você não esqueceu nada nela, não?
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Sorte (para Jiro Takahashi)
Escreveu três linhas
e ficou torcendo
para que fossem um haicai.
e ficou torcendo
para que fossem um haicai.
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Etapa inicial
Se eu me submetesse a um trabalho de autoajuda, o primeiro passo seria ressuscitar-me.
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Salto
Sou filho daquela espécie de imigrantes que, tendo sobrevivido à fome, não aspirou à riqueza, como seria natural, mas às honrarias.
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Ímpeto humanitário
Recolho ainda algumas moedas no chapéu. Não as mereço por minha arte, eu sei, mas pelos meus olhos decepcionados.
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Realidade
O divã do psicanalista suburbano é um sofá horrivelmente estampado e cheio de pelos de gato.
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Modos de dizer
Tudo é só uma questão de linguagem. A vida é uma puta, a literatura é uma rameira.
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Quem sabe
Seu Jarbas espera que se no Céu, como ele receia, o inglês for a língua oficial, uma boa alma se disponha a ser sua intérprete.
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Justiça
O amor é hoje algo que se atura num romance até a página 80, se ele tiver 160, para que o canalha seja desmascarado, julgado, condenado e queimado numa fogueira exemplar.
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Freud
Ele criou asco à palavra amor.
Se lhe perguntam por quê,
Põe-se a cuspir, a vomitar
Até que uma aranha muito peluda
Expelida pela sua garganta
Se acomoda sobre o vômito
E começa a nadar.
Se lhe perguntam por quê,
Põe-se a cuspir, a vomitar
Até que uma aranha muito peluda
Expelida pela sua garganta
Se acomoda sobre o vômito
E começa a nadar.
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Dois poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen
"GUERRA OU LISBOA 72"
"Partiu vivo jovem forte
Voltou bem grave e calado
Com morte no passaporte
Sua morte nos jornais
Surgiu em letra pequena
É preciso que o país
Tenha a consciência serena."
"LIBERDADE"
"O poema é
A liberdade
Um poema não se programa
Porém a disciplina
- Sílaba por sílaba -
O acompanha
Sílaba por sílaba
O poema emerge
- Como se os deuses o dessem
O fazemos."
(De Poemas escolhidos, Companhia das Letras.)
"Partiu vivo jovem forte
Voltou bem grave e calado
Com morte no passaporte
Sua morte nos jornais
Surgiu em letra pequena
É preciso que o país
Tenha a consciência serena."
"LIBERDADE"
"O poema é
A liberdade
Um poema não se programa
Porém a disciplina
- Sílaba por sílaba -
O acompanha
Sílaba por sílaba
O poema emerge
- Como se os deuses o dessem
O fazemos."
(De Poemas escolhidos, Companhia das Letras.)
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domingo, 15 de julho de 2018
Grandeza involuntária
Quando estivermos mortos,
Seja nosso o mérito ou não,
Teremos nisso igualado César
Sem precisar atravessar o Rubicão.
Seja nosso o mérito ou não,
Teremos nisso igualado César
Sem precisar atravessar o Rubicão.
Aparência
Se eu vier a participar de um pecado carnal, que não seja meu o primeiro passo, que eu possa fazer-me de inalcançável e, mesmo depois, quando estiver já entregue à troca de palavras amorosas, eu saiba intercalá-las com protestos de minha falsa pureza.
Cruz, credo
Seu Jarbas fez hoje uma das irmãs de caridade persignar-se. Contou-lhe ter sonhado com o Diabo e falou do seu pontudo cavanhaque. Viu o rabo dele? Não, estava escuro.
O nome que nos dizemos
Imagino que, mude quanto mudar a poesia, sempre haverá nela algum espaço para aquilo que hoje ainda nos atrevemos a chamar de amor quando sabemos não haver entre nós ouvidos maliciosos e línguas viperinas.
Hoje, na revista Rubem
Tento definir as principais características da admiravelmente obstinada espécie dos chatos.
https://rubem.wordpress.com/2018/07/15/chatos-e-outros-tipos-raul-drewnick-2/
https://rubem.wordpress.com/2018/07/15/chatos-e-outros-tipos-raul-drewnick-2/
sábado, 14 de julho de 2018
Os sonhos de seu Jarbas
Seu Jarbas um dia vai matar de inveja as santas irmãs de caridade. Toda noite agora sonha com Deus e vem com alguma novidade. Esta noite descobriu que Ele tem um olho bem mais azul que o outro. O esquerdo, parece.
Revoada
Um mês depois da morte do velho poeta, quando filhos e netos foram fazer uma vistoria na casa houve um momento de assombro. Assim que se abriu a porta principal, escapou por ela um bando de agitadíssimos pássaros. O ímpeto inicial e o aparente tumulto com que se lançaram ao céu logo se transformaram em implacável ordem. Eram os sonetos.
"Música para percussão e celesta", de Mário Cesariny
"anjo meu, obrigado
pelas benesses que me deste,
pelo instante-estátua-equestre
do teu sorriso consolado
não faço troça, querubim
mas este mundo é tão diferente
tu não pensavas seriamente
que eu quisesse olhos de marfim?
vens lá das velhas poesias
de acônito e de pentagrama
enquanto eu numa semana
não peno mais que sete dias
mas mesmo assim, anjo meu tão moral
eu agradeço o muito que puseste
nesse carinho-estátua-equestre
todo candura jovial."
(Do livro Manual de prestidigitação, publicado pela Assírio & Alvim, Lisboa.)
pelas benesses que me deste,
pelo instante-estátua-equestre
do teu sorriso consolado
não faço troça, querubim
mas este mundo é tão diferente
tu não pensavas seriamente
que eu quisesse olhos de marfim?
vens lá das velhas poesias
de acônito e de pentagrama
enquanto eu numa semana
não peno mais que sete dias
mas mesmo assim, anjo meu tão moral
eu agradeço o muito que puseste
nesse carinho-estátua-equestre
todo candura jovial."
(Do livro Manual de prestidigitação, publicado pela Assírio & Alvim, Lisboa.)
sexta-feira, 13 de julho de 2018
A dúvida de seu Jarbas
Seu Jarbas tem medo de, quando morto, voltar a ser criança. Não se lembra mais de nenhuma brincadeira.
Nenhuma igual
Para dizer a verdade, a língua da condessa era áspera, como quase tudo nela. Nunca senti, na minha, outra mais categórica e imperiosa.
Politeísmo
Antes que eu desista e morra,
Que Alguém me salve ou socorra.
Pode ser qualquer um: Deus,
O bom Júpiter ou Zeus.
Que Alguém me salve ou socorra.
Pode ser qualquer um: Deus,
O bom Júpiter ou Zeus.
"Prece", de Sophia de Mello Breyner Andresen
"Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas."
(De Poemas escolhidos, Companhia das Letras.)
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas."
(De Poemas escolhidos, Companhia das Letras.)
quinta-feira, 12 de julho de 2018
"Minha duquesa", de Robert Browning
"Ali está a minha última duquesa
Na parede. Parece viva. Que beleza
De obra! Fra Pandolfo não poupou esforço
E ei-la de corpo inteiro, não em busto ou torso.
Você não quer sentar-se para ver melhor?
Não por acaso mencionei o seu pintor,
Pois não costumo a estranhos olhos desvelar
A profundeza da paixão que há nesse olhar,
Que só a mim é dirigido (pois só eu
Abro a cortina), mas eu sinto, percebeu?,
Que quem a vê logo se indaga: de onde veio
Esse olhar? Com você, meu caro, não receio,
É a mesma coisa. Pois eu digo: simplesmente,
A presença do esposo é pouca para a mente
Que procura a razão para aquela mancha rosa
De prazer no seu rosto. Uma frase ociosa,
Talvez, de Fra Pandolfo. "Eu acho que o seu manto
Cobre demais o pulso", ou: "Não pode tanto
A arte, não, reproduzir não pode o leve
Rubor em sua garganta, a ir e vir tão breve".
Galanteria cortês, não mais - o suficiente
Para fazer brilhar um rosto, de repente.
Tinha um jeito, a duquesa, um coração aberto
Ao gostar... ao olhar... Contentamento certo,
O dela; incerto, o meu ... Ela não distinguia
Entre gozar das graças que eu lhe concedia,
O declínio da luz ao sol poente, o ramo
De cerejas que um bobo serviçal do amo
Lhe oferecia, a mula branca que montava
Pela terraça, a rir - a tudo ela igualava
Com uma boa palavra, ou um rubor, ao menos.
Que agradecesse, tudo bem - mas é somenos
Equiparar o dom dos novecentos anos
Do meu nome a presentes sem nome? Até planos
De dissuadi-la... Rebaixar-me a isso... O dom
Da palavra me falta... E como, alto e bom som,
Chegar a ela, assim: "Olhe, sua atitude
Me desagrada, passou do ponto, mude"?
Que aceitasse o sermão e até mostrasse medo,
Isto, pra mim, seria ceder, e eu nunca cedo.
Claro, meu caro, de passagem, um sorriso
Ela me dava - mas a quem não dava? Aviso
Não dei, dei ordens: os sorrisos, de imediato,
Murcharam. Mas já pode levantar-se... É fato...
Nesse retrato, agora, ela parece viva...
Podemos ir? Embaixo, a companhia festiva
Nos aguarda. Repito: a generosidade
Do conde, seu senhor, sem dúvida há de
Saber pesar a minha justa pretensão
Ao dote da menina, a cujas graças vão
Os meus melhores sentimentos. De passagem,
Olhe essa peça de escassíssima tiragem:
É um bronze de Netuno domando um delfim,
Que Claus de Innsbruck fez fundir só para mim."
(Do antologia 31 poetas, 214 poemas, tradução de Décio Pignatari, Companhia das Letras.)
Na parede. Parece viva. Que beleza
De obra! Fra Pandolfo não poupou esforço
E ei-la de corpo inteiro, não em busto ou torso.
Você não quer sentar-se para ver melhor?
Não por acaso mencionei o seu pintor,
Pois não costumo a estranhos olhos desvelar
A profundeza da paixão que há nesse olhar,
Que só a mim é dirigido (pois só eu
Abro a cortina), mas eu sinto, percebeu?,
Que quem a vê logo se indaga: de onde veio
Esse olhar? Com você, meu caro, não receio,
É a mesma coisa. Pois eu digo: simplesmente,
A presença do esposo é pouca para a mente
Que procura a razão para aquela mancha rosa
De prazer no seu rosto. Uma frase ociosa,
Talvez, de Fra Pandolfo. "Eu acho que o seu manto
Cobre demais o pulso", ou: "Não pode tanto
A arte, não, reproduzir não pode o leve
Rubor em sua garganta, a ir e vir tão breve".
Galanteria cortês, não mais - o suficiente
Para fazer brilhar um rosto, de repente.
Tinha um jeito, a duquesa, um coração aberto
Ao gostar... ao olhar... Contentamento certo,
O dela; incerto, o meu ... Ela não distinguia
Entre gozar das graças que eu lhe concedia,
O declínio da luz ao sol poente, o ramo
De cerejas que um bobo serviçal do amo
Lhe oferecia, a mula branca que montava
Pela terraça, a rir - a tudo ela igualava
Com uma boa palavra, ou um rubor, ao menos.
Que agradecesse, tudo bem - mas é somenos
Equiparar o dom dos novecentos anos
Do meu nome a presentes sem nome? Até planos
De dissuadi-la... Rebaixar-me a isso... O dom
Da palavra me falta... E como, alto e bom som,
Chegar a ela, assim: "Olhe, sua atitude
Me desagrada, passou do ponto, mude"?
Que aceitasse o sermão e até mostrasse medo,
Isto, pra mim, seria ceder, e eu nunca cedo.
Claro, meu caro, de passagem, um sorriso
Ela me dava - mas a quem não dava? Aviso
Não dei, dei ordens: os sorrisos, de imediato,
Murcharam. Mas já pode levantar-se... É fato...
Nesse retrato, agora, ela parece viva...
Podemos ir? Embaixo, a companhia festiva
Nos aguarda. Repito: a generosidade
Do conde, seu senhor, sem dúvida há de
Saber pesar a minha justa pretensão
Ao dote da menina, a cujas graças vão
Os meus melhores sentimentos. De passagem,
Olhe essa peça de escassíssima tiragem:
É um bronze de Netuno domando um delfim,
Que Claus de Innsbruck fez fundir só para mim."
(Do antologia 31 poetas, 214 poemas, tradução de Décio Pignatari, Companhia das Letras.)
Ainda
Na estante os teus mártires poesia
os alucinados os malditos
as tresloucadas as suicidas
e os cisnes de antologia
mantêm ainda
contra as traças e contra o pó
o teu nome vivo poesia.
os alucinados os malditos
as tresloucadas as suicidas
e os cisnes de antologia
mantêm ainda
contra as traças e contra o pó
o teu nome vivo poesia.
Dois epigramas de Marcial
"Dispenso o seu rosto
Dispenso o pescoço
Dispenso suas mãos
Dispenso seus peitos
Dispenso suas coxas
Dispenso sua bunda
Dispenso os quadris
- E para mencionar mais um detalhe,
Dispenso você, Beatriz."
*****************************
"A mais formosa entre as formosas
A mais sacana entre as sacanas
Só quero você, Catula,
Menos bela ou menos puta."
(De 31 poetas, 214 poemas, tradução de Décio Pignatari, publicação da Companhias das Letras.)
Dispenso o pescoço
Dispenso suas mãos
Dispenso seus peitos
Dispenso suas coxas
Dispenso sua bunda
Dispenso os quadris
- E para mencionar mais um detalhe,
Dispenso você, Beatriz."
*****************************
"A mais formosa entre as formosas
A mais sacana entre as sacanas
Só quero você, Catula,
Menos bela ou menos puta."
(De 31 poetas, 214 poemas, tradução de Décio Pignatari, publicação da Companhias das Letras.)
quarta-feira, 11 de julho de 2018
Um soneto de Mário Cesariny
"a velha que vende bananas
o velho roxo de calor
o rapaz que grita sacanas
deem-me um pouco de amor
a outra viagem por mar
o jovem que já é livreiro
a camionete a esmagar
o túmulo de Sá-Carneiro
o sapato branco do réu
a imobilidade do rato
que rói a ala esquerda do hidro
a mão ereta contra o céu
o céu de súbito contrato
a água a morte a mosca o vidro."
(De Manual de prestidigitação, Assírio & Alvim, Lisboa.)
o velho roxo de calor
o rapaz que grita sacanas
deem-me um pouco de amor
a outra viagem por mar
o jovem que já é livreiro
a camionete a esmagar
o túmulo de Sá-Carneiro
o sapato branco do réu
a imobilidade do rato
que rói a ala esquerda do hidro
a mão ereta contra o céu
o céu de súbito contrato
a água a morte a mosca o vidro."
(De Manual de prestidigitação, Assírio & Alvim, Lisboa.)
Um poema de Mário Cesariny
"ALQUIMIA DO VERBO
o riso útil da amorosa
retine de tal maneira
no pobre quarto cor-de-rosa
que as tuas mãos de senhor
já não sabem por que milagre
ainda é puro o amor."
(Do livro Manual de prestidigitação, publicado pela Assírio & Alvim, Lisboa.)
o riso útil da amorosa
retine de tal maneira
no pobre quarto cor-de-rosa
que as tuas mãos de senhor
já não sabem por que milagre
ainda é puro o amor."
(Do livro Manual de prestidigitação, publicado pela Assírio & Alvim, Lisboa.)
A linguagem da condessa
Quando ditas pela condessa, até as palavras mais simples e isentas hesitavam um pouco, como se a passagem pela sua língua acordasse nelas uma inquietação morna, semelhante à volúpia.
Vigência
São as palavras de amor as que mais duram na memória, principalmente as que são ditas por uma língua mentirosa a um coração tolo.
Um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen
"CIDADE
Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes."
(De Poemas escolhidos, seleção de Vilma Arêas, publicado pela Companhia das Letras.)
Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.
Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes."
(De Poemas escolhidos, seleção de Vilma Arêas, publicado pela Companhia das Letras.)
terça-feira, 10 de julho de 2018
Vantagem
Alguns mortos se apresentam em tão deplorável estado no velório que é uma bênção não poderem mais fazer autocrítica.
segunda-feira, 9 de julho de 2018
Os coadjuvantes
Já depois da segunda hora de velório, os mortos começam a ter o prestígio ameaçado por personagens secundários como o rapaz que se põe a contar piadas ou como a mulher de pernas longuíssimas que, com voz de cantora de bolero, se desculpa por estar de minissaia.
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sábado, 7 de julho de 2018
sexta-feira, 6 de julho de 2018
Excelência
Amo a dignidade daqueles verbos que se dizem com sua própria voz, que não precisam de ninguém, de sujeito nenhum para fazê-los ser o que são. Verbos discretos, sóbrios, quase anônimos. Como chover.
De Kathrin H. Rosenfeld sobre a poesia moderna
"A tarefa do poeta moderno é árdua. Cabe-lhe vencer a inércia do nosso imaginário sobrecarregado e anestesiado pelo excesso de estimulações estéticas, pela inflacionada indisciplina de contemplar imagens sem fim: em museus, em livros, revistas, filmes, identificar uma imagem como pertencente a um período, a um estilo ou a uma escola significa não raro armar-se contra o seu impacto imediato e significação. O poeta moderno, encurralado por uma "Natureza" que é uma verdadeira "floresta de símbolos", tem assim como primeira tarefa a de mascarar, velar o fato de que as imagens que ele apresenta são imagens já usadas e convencionais."
(Do livro Poesia em tempo de prosa, publicado pela Iluminuras.)
(Do livro Poesia em tempo de prosa, publicado pela Iluminuras.)
Hoje no portal do Estadão
Uma dúzia de disparates disfarçados de poesia.
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/porque-hoje-e-sexta/
https://emais.estadao.com.br/blogs/escreviver/porque-hoje-e-sexta/
quinta-feira, 5 de julho de 2018
Lista (para Marcella Wolkers dos Reis)
De um poeta se espera que saiba pelo menos mais um nome de flor, além de rosa e amor-perfeito.
O nome do defunto
Hoje fui atingido por uma tristeza retroativa, uma angústia de muitas décadas atrás. Não me lembrei de quem era o defunto, do seu rosto, de nada. Recordei-me apenas da estranheza que me causou o nome quando a voz (de quem?) gritou, num dia de minha infância: ai, meu Deus, morreu o Ladislau.
quarta-feira, 4 de julho de 2018
Parque (para Silvana Guimarães)
Caminhando ao sol
num dia banal
ele toda de preto viu
a mulher se aproximar.
Ela lhe disse desculpe
não é nada pessoal
e o abraçou como só
a Morte abraça um mortal.
num dia banal
ele toda de preto viu
a mulher se aproximar.
Ela lhe disse desculpe
não é nada pessoal
e o abraçou como só
a Morte abraça um mortal.
Nove versos de "A canção de amor de J. Alfred Prumfrock", de T.S. Eliot
"Não! Eu não sou o Príncipe Hamlet, nem queria sê-lo;
Sou um lorde auxiliar, um que tudo acentua
Para inflar um certo avanço, iniciar uma cena ou duas,
Ponderar com o Príncipe, fazer-lhe os protocolos,
Respeitoso, feliz de estar em uso,
Cauteloso, político, meticuloso;
Todo prosa grave, mas um tanto obtuso;
Realmente, às vezes, quase estúpido-
Às vezes, quase o Bobo."
(Tradução de Lawrence Flores Pereira, Iluminuras.)
Sou um lorde auxiliar, um que tudo acentua
Para inflar um certo avanço, iniciar uma cena ou duas,
Ponderar com o Príncipe, fazer-lhe os protocolos,
Respeitoso, feliz de estar em uso,
Cauteloso, político, meticuloso;
Todo prosa grave, mas um tanto obtuso;
Realmente, às vezes, quase estúpido-
Às vezes, quase o Bobo."
(Tradução de Lawrence Flores Pereira, Iluminuras.)
terça-feira, 3 de julho de 2018
Vivacidade
Era um pintor tão expressivo que, num vernissage, a galinha de uma de suas naturezas-mortas desandou a cacarejar.
Versos de "Gerontion", de T.S.Eliot
"Eis-me aqui, um velho em pleno mês de seca,
À espera de chuva, a ouvir um jovem ler para mim.
Eu não estive nas portas férvidas
Nem lutei na chuva tépida
Nem pé fundo no charco, espada em punho,
Picado por mosquitos, combati.
Minha casa é uma casa arruinada,
E o judeu se debruça na janela, o proprietário,
Desovado numa tasca da Antuérpia,
Bolhas em Bruxelas, casquejado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite no bosque acima;
Rochas, limo, saião-acre, ferro, bostas.
A mulher cuida a cozinha, aquece o chá,
Espirra à noite e remexe o ralo irritado."
(Tradução de Lawrence Flores Pereira, Iluminuras.)
À espera de chuva, a ouvir um jovem ler para mim.
Eu não estive nas portas férvidas
Nem lutei na chuva tépida
Nem pé fundo no charco, espada em punho,
Picado por mosquitos, combati.
Minha casa é uma casa arruinada,
E o judeu se debruça na janela, o proprietário,
Desovado numa tasca da Antuérpia,
Bolhas em Bruxelas, casquejado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite no bosque acima;
Rochas, limo, saião-acre, ferro, bostas.
A mulher cuida a cozinha, aquece o chá,
Espirra à noite e remexe o ralo irritado."
(Tradução de Lawrence Flores Pereira, Iluminuras.)
segunda-feira, 2 de julho de 2018
Queridinha
Sou daqueles que, não tendo nada além da tristeza, receiam tanto perdê-la que passam a tratá-la como se fosse uma cachorrinha doente. Não a deixam ir à rua nunca e, à noite, envolvendo-a em cobertores, ficam atentos: tudo bem aí, queridinha?
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Iguais
A literatura é mais ou menos como o jogo. Meu avô viciou-se no pôquer aos vinte anos. Era pobre. Manteve o vício até os oitenta, quando morreu, tão pobre quanto sempre.
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Pra valer
Se formos pecar, pequemos muito,
Pequemos tudo, pequemos mais.
O inferno jamais mereceremos
Com estes pecadilhos veniais.
Pequemos tudo, pequemos mais.
O inferno jamais mereceremos
Com estes pecadilhos veniais.
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A dúvida
O centenário Adão
pergunta a Eva: afinal
como era mesmo aquele pecado original?
pergunta a Eva: afinal
como era mesmo aquele pecado original?
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Um trecho de "A canção de amor de J. Alfred Prufrock", de T.S. Eliot
"E, é verdade, haverá tempo
Para o fumo que resvala nas calçadas
Esfregando o próprio dorso nas vidraças;
Haverá tempo, haverá tempo,
Para ter uma cara pronta para acenar para as velhas caras;
Haverá tempo para assassínio e criação,
Para todos os trabalhos e os dias de mãos
Que elevam e pingam uma questão no prato;
Tempo para você e tempo para mim,
E ainda tempo para mil indecisões,
E para mil visões e revisões,
Antes de vir o chá e seus afins."
Tradução de Lawrence Flores Pereira, Iluminuras.)
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domingo, 1 de julho de 2018
Caráter
Ela era cínica, sempre foi. Se eu lhe tivesse perguntado, ela provavelmente compararia meus sonetos aos de Camões.
Hipótese
Dou graças por viver.
Se eu estivesse morto,
quem de meu gato cuidaria
e de minha melancolia?
Se eu estivesse morto,
quem de meu gato cuidaria
e de minha melancolia?
Como é
Na velhice não há o que não doa.
A velhice funciona assim:
Se você tem duas costelas -
uma boa e uma ruim-
dói a ruim e dói a boa.
A velhice funciona assim:
Se você tem duas costelas -
uma boa e uma ruim-
dói a ruim e dói a boa.
Indicação
Para quem quer chegar ao hospício
a literatura pode não ser o melhor
mas será sempre um ótimo início.
a literatura pode não ser o melhor
mas será sempre um ótimo início.
Hoje na revista Rubem
Falo de um defunto em fase de provas e vestibular.
https://rubem.wordpress.com/2018/07/01/moribundo-sem-tempo-e-outras-ocorrencias-raul-drewnick/
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