sábado, 17 de abril de 2010
Pequenas alegrias urbanas (40) -- O gato
O homem levantou-se e foi até a área do apartamento. Fazia três horas que tentava dormir e, quando chegava à borda do sono, lembrava-se de novo do que havia lhe acontecido à tarde, da rejeição definitiva que tinha sofrido, e a aflição apertava tanto seu peito que ele precisava sair da cama. Chegou a pensar que estivesse tendo um enfarte, e torceu para que fosse um daqueles fulminantes, mas sabia que o seu problema não era físico. Padecia de um mal do coração, mas no sentido antigo e figurado, aquele de que sua mãe e suas irmãs falavam tanto, e do qual ele havia escarnecido tantas vezes. Sofria de paixão, de amor não correspondido, e sentia uma dor aguda que, não se localizando no corpo, em nenhuma parte dele, o fazia recordar outra expressão tão cara ao romantismo da mãe e das irmãs: dor da alma. Era isso, ele precisava concordar, já que não achava termo melhor. Doía-lhe a alma, doía-lhe muito, doía-lhe intoleravelmente, e ele, olhando agora para as estrelas, sentiu vontade de gritar para elas, de acordar a cidade com seu grito, de ter sua loucura reconhecida e talvez acalmada, e talvez afagada, e talvez mimada por uma enfermeira piedosa. Estava assim, à beira do grande grito, quando seu gato, que dormia numa cadeira na área do apartamento, assaltado talvez por um pesadelo, escorregou do travesseiro e deslizou comicamente para o chão. O homem puxou então para o colo o gato, sorriu e, por um instante, um só, esqueceu-se da dor da sua alma e brincou: "Ah, o que foi, seu bicho bobo?"
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