terça-feira, 27 de abril de 2010
Pequenas alegrias urbanas (71) -- O insulto
Parado na esquina, escorado num poste, o homem, com a precisão de um cronômetro, lançava de meio em meio minuto um olhar para o alto e, gesticulando com fúria, berrava, esguichando saliva na calçada: "Aparece, sacana, aparece!" Era o início da manhã, seis e meia, e quem passava na rua olhava também para cima e procurava localizar no prédio amarelo alguém a quem pudesse estar sendo dirigida aquela raivosa frase de três palavras, mas nas poucas janelas já abertas não aparecia ninguém. "Aparece, sacana, aparece!", gritava ele de novo, e de novo, e continuou gritando até que no céu escuro se abriu uma nuvem gorda e a chuva desabou. O homem correu então para um bar próximo, sacudiu os grossos pingos da camisa esporte, pediu um maço de cigarros e se lastimou com o caixa: "Agora é que eles não vêm mesmo." O caixa perguntou: "Eles?" O homem foi até a porta para espiar a chuva: "É, ontem eu marquei uma pescaria com os meus amigos, sabe? Tudo estava certo. E agora cedinho eles me ligaram para avisar que não iam mais, porque estava ameaçando chuva. Eu disse que ia fazer um dia lindo e vim para cá, que é onde a gente combinou se encontrar. Está bom, eles disseram, se aparecer o sol, você liga e nós vamos." O caixa sorriu e balançou a cabeça, solidário: "E aí cai essa chuva..." O homem pagou, abriu o maço de cigarros, saiu, olhou para cima e, como se aquilo fosse para ele um desagravo, desafiou: Aparece, sacana! Aparece, covarde!"
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