domingo, 31 de julho de 2011

Por amor

É um homem tão estouvado
Que por um amor morrer
Lhe soa mais adequado
Que por um amor viver.

Em vez de

Em vez da fúria e do estrépito,
Das juvenis algazarras,
Da agitação e das farras,
Tua morna paz de decrépito.

Marcas

São tristes as tuas flores.
Outrora tão veneradas,
Nos livros teus encerradas
São hoje só marcadores.

Boca

Por que salivas, ainda, boca, por que palpitas? Se te julgaram indigna dos beijos que tanto quiseste, por que não morres de vez, porque não murmuras a prece final, porque não berras uma maldição e por que não te fechas, por que não morres, boca, por quê?

Porto

Afinal Deus me atendeu:
Sei que no próximo porto
Vão desembarcar um morto
E que esse morto sou eu.

Oráculo

Para saber se virás,
Consulto o teu coração,
E as respostas que ele traz
São três: nunca, jamais, não.

Em alemão

As palavras, em alemão, são cachorrinhos que se farejam, se rodeiam e, se sentem afeição, se acoplam e viram um cachorrão.

sábado, 30 de julho de 2011

Eco

Ecoa ainda na memória
O teu pedido de abraço,
A tua súplica inglória,
O teu rotundo fracasso.

Porvir

Não eu não estarei
sempre à tua espera

Tenho só
se alguma tiver
mais uma primavera
dois olhos
que não valem um
e uma alma que
tão machucada
não vale meia sequer

Podes vir
se ainda quiseres
vem mas vem agora
enquanto ainda posso ouvir
teus passos macios
tuas palavras teus cicios
e enquanto ainda
no meu surrado dicionário
tem algum significado
a palavra porvir.

Prece

Só calor e paz pediu,
E veio a paz, mas tardia,
E veio o sol, mas tardio,
E veio a noite, e era fria.

Apenas

Não quero demais, apenas
Que aos dedos meus tu concedas
Algumas viagens amenas
Por teus cetins, tuas sedas.

Caminho

Não, eu jamais desvendei
Nenhuma norma ou enigma,
Só passos curtos andei,
O óbvio foi meu paradigma.

Púbis

Tecida fio por fio,
A ruiva teia desenha
Com toque lânguido a brenha
Que guarda a fonte do cio.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Opostos

Teus sonhos não são os meus.
Todo esse tempo eu pensava
Em dizer como te amava,
E tu em dizer-me adeus.

Pudesse

Ao menos ao terminar,
Pudesse o amor ser espuma,
Luar imerso na bruma,
E não ferir, nem cegar.

Cadernos

Talvez tu tenhas guardado
Aqueles velhos cadernos
Nos quais cantei com tons ternos
O nosso amor malogrado.

O que fica

Só vale aquilo que fica.
Guardei comigo o amargor,
A mágoa, a tristeza. Amor?
Não sei o que significa.

Precaução

Espalhou-se que a Morte viria colher certa rosa e, naquela noite, por precaução, nenhuma flor se moveu, como não se moveram as árvores, os galhos, as folhas, nem o vento, e tudo soava a silêncio, menos o coração da rosa escolhida.

O morto

Estava morto fazia tanto tempo que, quando voltou e bateu à porta, a família chorou: o pai, a mãe, o irmão e mais que todos a avó, que era quem mais o havia amado. "Meu neto, meu netinho querido, o que você veio fazer aqui? Você sofreu tanto para ir, você não lembra? A gente achava que você estava feliz lá."

Presente

Inicio esta manhã com um alento, quase uma esperança, ao ler uma frase de Hermann Broch, extraída do seu livro A Morte de Virgílio: "Um poeta é um homem que possui a dádiva de dominar a sua loucura e guiá-la." Não sei se persistirei na resolução, mas depois de ler a frase decidi ser poeta.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Galanteio

Porque nenhuma mulher
Para mim tão querida há,
Tudo que eu de ti disser
É pouco e sempre será.

Imagem

Quando eu digo que minha alma é triste como um cemitério num dia de chuva, sei do que estou falando. Cada vez que digo, minha alma me interpela e suplica que eu arranje uma imagem mais forte.

Autodidata

Sobre a vida tudo li
E sobre a morte li tudo.
Se perguntam, fico mudo,
Tudo que li esqueci.

Nem assim

Eu morto, ainda ouvirás
A minha voz te louvando
E amor te jurando. Mas,
Como hoje, duvidarás.

Obstinação

Não tenho graça, não tenho
Virtudes, dons especiais,
Pedes que eu não venha mais,
E mesmo assim sempre venho.

Enquanto

Enquanto a morte não vem,
Prazer e dor desfrutemos,
Viver, bem ou mal, convém,
Enquanto ainda podemos.

Dom

Você tem esse dom de dizer alguns nomes - Heidegger ou Gödel, por exemplo - e fazê-los soar leves e doces, como se flor ou fruto fossem.

Destino

Ao semideus Jorge Luis Borges o destino, por pilhéria, deu todos os livros de Buenos Aires quando ele já não podia ler nenhum. A mim, porque o sofrimento cabe também aos mortais, o destino, zombeteiro e cruel, propôs o desafio de, já com os ouvidos preparados para as dolorosas notas do réquiem, tentar reaprender os jubilosos sons da poesia, para decantar os encantos de uma menina.

Joyce, logo cedo (II)

Acordei e, sem notícias na internet ou no telefone, lembrei-me de Joyce: "My love, my love, my love, why you left me alone?"

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Ser aquele

Gostaria de ser
aquele que te nega amor
aquele por quem choras
aquele contra quem praguejas
aquele torturador
que não te deixa
sorrir ler pintar
espairecer dormir descansar
aquele de quem te queixas
aquele que às vezes
por um pensamento torto
que até os bons têm
gostarias de ver morto
se de desgosto
não morresses também

Gostaria de ser ele
e um belo dia
numa tarde de primavera
ou numa noite de verão
chegar de surpresa
dizer oi, tudo beleza?,
e te pedir perdão

São Paulo

Nasci aqui
aqui fiquei

Não me seduziram
as vozes distantes
de promessas cheias
nem os cantos das sereias

Tudo ouvi
desprezei tudo
não fui
aqui fiquei

Sei agora por quê

Em que outra cidade
em que outro país
poderia num início de tarde
sentir esta saudade absurda
esta ternura infame
e a possibilidade
de dobrar uma esquina
e de te ver outra vez
menina
com tua blusa xadrez?

Paisagem com cachoeira

Inolvidável o dia em que o sol, sedento, desceu para lamber aquelas três gotas no teu cabelo recém-banhado.

Épocas

Quando era jovem e amou,
Diziam: "Quanta tolice."
Agora a frase mudou:
"É muita sem-vergonhice."

Joyce, logo cedo

Com uma tristeza pontuda na alma e um verso de Joyce na cabeça, acordei: Love is unhappy when love is away.

Metrô Saúde

O homem quer descer a cada estação: "Filha, não é esta?" A filha, paciente: "Não, pai." "Filha, então você compra as flores e põe no cartão: do João, com afeto. Não, com muito afeto." "Está certo, pai. Eu já sei." "Você já sabe mas pode esquecer, não pode? Não é esta?" "Ai, pai, para. Esqueceu que nós vamos descer juntos? Deixa, que eu estou vendo." "Nós vamos, filha, mas tem que ser na estação certa, né? Você não vai esquecer, vai? Do João, com muito afeto. Quero ver a cara da tua mãe." A filha olha para o alto: "Jesus. Pai, por que você não vai comigo até a floricultura e você mesmo escreve?" "Já te falei, eu preciso chegar em casa logo, eu estou apertado." "Faz lá na floricultura." "Essas coisas eu só consigo fazer em casa. Não é esta?" A voz avisa: "Estação Saúde." "Obrigado", o homem agradece à voz. "Vamos, filha, é esta." "Espera pelo menos o trem parar, pai."

terça-feira, 26 de julho de 2011

Janeiro

Hoje ainda é aquela tarde.
O que já foi ainda é agora,
O sol não quer ir embora
E no teu cabelo ainda arde.

Resumo

Não tenho o dom da ventura
E nem da alegria o vício.
A morte é minha procura
E a solidão meu ofício.

Trajetória

Pelo que lembro de mim,
Fui sempre meio tristonho,
Meio avoado, bisonho,
Como hoje sou, bem assim.

Simbiose

Se penso em ti, eu me penso,
Perdido em ti, me resolvo,
Por ti me culpo e me absolvo,
Em ti, eu sou mais intenso.

3x4

Eu posso até chegar perto
Porém jamais vou adiante.
Na hora H eu não acerto,
Jamais sou bom o bastante.

Consciência

Que bom vocês serem assim alegremente ruidosos. Minha tristeza ouve suas canções debochadas, seus risos gorgolejantes, e fecha a janela, e vai para a cama, e se cobre toda, e chupa o dedo, como uma garotinha órfã. Quando isso acontece, ela sabe que está certa em ser como é.

Vaidade

Era tão sacana, tão ordinário, tão filho de uma prostituta, que, teclando no google "mortos na II Guerra Mundial", viu um número de resultados tão colossalmente maior do que os atribuídos a ele por sua atividade, que deu três socos no teclado: merda, merda, merda.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Para Patricia

Patricia, duas palavras às vezes fazem um bem tão grande. Obrigado pelo seu comentário sobre um dos textos. Fazia tanto tempo que não me chegava nenhum retorno, que estava para fechar o blog - e já o teria feito, se ele não tivesse se tornado uma terapia para mim. Desculpe-me por responder por aqui. Não consigo mais fazer comentários no espaço apropriado. O sistema me estranha. Bom, eu - se fosse ele - também estranharia. Obrigado

Escolha

Tentei de tudo: viver
(Iniciativa frustrada),
Morrer (sem conseguir nada).
Me resta agora escrever.

Gozar ainda

Vocês que compuseram sinfonias
engendraram filosofias
escreveram poesias
receberam honrarias
e ganharam galardões

vocês beethovens rousseaus camões
que com melodias
teorias e alegorias
conquistaram primazias
e hoje moram em panteões

sobre todos vocês
seus bobalhões
com justa vaidade
proclamo minha superioridade
que é esta de respirar e estar
vivo vivo vivo

E só não grito isso
só não berro isso
para multidões
porque em mim
inimigos minúsculos
vorazes corpúsculos
conspiram para o meu fim

Que eles não me ouçam
que me deixem ainda
gozar este sol breve
antes que chegue minha hora
e a morte me leve
sem honrarias
sem galardões
sem primazias
e sem panteões

(um raul-ninguém
numa cerimônia mofina
poluindo o ar
de vila alpina)

Ração

De manhã, a primeira coisa que faz é dar a ração à alma, para que ela mantenha viçosas a amargura e a tristeza. São os ingredientes costumeiros - humilhações, zombarias, rejeições - e nunca nenhum deles falta. Todo dia ele se rejubila por poder contar com a generosidade do ser humano quando se trata de espezinhar o semelhante, de destruir um homem e alimentar o desespero de uma alma.

Frustração

O teu caminho escolheste.
A corda rija arranjaste,
A faca certa afiaste.
Falhaste, sobreviveste.

Redenção

À mão que me conduzia
Perguntei: "Aonde me levas?"
E, para minha alegria,
Ela respondeu: "Às trevas."

De qualquer jeito

Se não consegue logo cedo um motivo para ficar triste, fica triste.

Solar

Terminei ontem a leitura de Solar, de Ian McEwan, e fui tomado por um pensamento juvenil: se ainda existe Diabo, estou pronto para dar minha alma (supondo-se que ela exista) em troca de um lampejo, de uma página que se assemelhasse a qualquer página de McEwan, mesmo que a semelhança fosse igual à que há entre o brilho de um pedaço de papel-alumínio na areia e o cegante fulgor do sol.

domingo, 24 de julho de 2011

Como um gato

Que o meu sofrimento possa ser manso como um gato no sofá. Que não se agite, que não mie. Que se ajeite encolhido, bem encolhido, para esconder suas feridas, e seja abençoado com um sono tão tranquilo que alguém, ao vê-lo, e sem conhecer sua história, talvez diga: "Como são felizes os gatos."

Batalha

Perdida a batalha
que nos deixem sentir ainda
enquanto gemem as feridas
aquilo que sempre
como derrotados nos restou
e que a todas as batalhas
uma a uma
nos lançou:
a doce comiseração
o momento de delírio
antes do último suspiro
a tentação de nos estertores
nos declararmos vencedores
(por que não
se morta está
também a batalha)
e como glória final
podermos escolher
ainda que simples
e de tosco material
nossa mortalha

Ao menos

Depois de tantas catástrofes e humilhações, posso ao menos dizer a mim mesmo, ainda que bem baixinho, que sou homem, homem, e talvez acreditar nisso.

Piercing

Tinha um piercing na língua e seus ceceios sugeriam, sem dizer, luxúrias tão plenas que os homens, antegozando-as, nunca sabiam do que ela estava falando.

Duas frases de Ian McEwan

1) Sobre a velhice: "Era isso que significava envelhecer: ser manipulado por alguém mais forte e mais jovem, sem chance de revidar."
2) Sobre o modo tocante e ingênuo com que se encaram as questões relacionadas com a preservação da natureza: "A virtude é passiva demais, estreita demais. A virtude pode motivar indivíduos, mas é uma força débil quando se trata de grupos, de sociedades, de toda uma civilização. As nações nunca são virtuosas, embora às vezes possam pensar que são. Para a humanidade como um todo, a ganância triunfa sobre a virtude."
(Do romance Solar, traduzido por Jorio Dauster e publicado pela Companhia das Letras.)

Amy

Tu deste tantos recados, menina Amy, tantos, e nós, os velhos, nós, os que conhecemos tudo da vida, nós, os ponderados, ficamos dizendo que era charminho teu, vontade de aparecer. Tu te esganiçaste, tu te estilhaçaste, tu choraste, tu ensaiaste tua morte tantas vezes, tantas, e nós pusemos para tocar Mozart, Bach, Chopin. Aquilo, sim, era musica, quem tu pensavas que eras? E tua voz se fez rouca de desespero e álcool, tua voz de adulta precoce nos disse por tantos anos, tantos, uma palavra que nos recusamos a ouvir: socorro. Hoje tenho vergonha, nojo, asco de minha velhice, menina Amy, de meus anos bem vividos, de minha sensatez, e minha máscara de sábio me dói no rosto e cospe uma saliva podre em minha alma.

sábado, 23 de julho de 2011

Manhã

Manhã de azul transparente
quem te deu esse sol quente
quem te deu esses meninos
que no colégio cantam hinos
esses pássaros que piam
tão desvairadamente?

Manhã quem te fez
assim contente
quem esse ouro te deu
essa alegria
quem essas cores
essa magia
quem? quem?

Manhã eu não sei
quem te fez assim
mas quem te fez
não te fez para mim.

Tão amada

Tão doce tu és, tão salgada,
Tão antinômica, tão
Imune a qualquer razão,
Tão insanamente amada.

Deuses

Tentamos imitar Deus
E tanto nos empenhamos
Que, por Júpiter, por Zeus,
Às vezes O superamos.

Baixo, bem baixo

Se um dia me falares, fala baixo. Estão todos mortos, aqui, como eu, e até a brisa nos fere o ouvido. Fala baixo, bem baixo, eu peço, e não fales de amor. Todos aqui morreram por ele.

Nada mais

Deus te ouviu. Não sou mais nada para ti, não te aborreço mais. Sou como a pena de um pássaro que um vento ingênuo leva para o lago e esfrega sobre a água, tentando fazer música.

Para Zelda

De ti eu sou devedor.
Com o amor que não me deste
E com a dor que me impuseste,
Tu me tornaste escritor.

Cortázar

Depois que ela começou a ler Cortázar, nunca mais lhe mandei um livro escrito por mim. Mesmo para quem gosta de humilhação, ela há de vir na medida certa.

Espetáculos

Que barulhento espetáculo dão certos homens quando se rompem e sua falsa divindade se espatifa em cisalhas. Que pobre espetáculo dão os outros, nós, quando se rompem e não deixam senão migalhas que o vento despreza.

Com tua mão

Com tua própria mão hás de manter teu rosto grudado na calçada, ali onde os homens a caminho do trabalho deixaram de manhã seus escarros. Te fará bem isso, sentir a língua no áspero cimento, tu, que ousaste olhar com ternura as estrelas e dizer que o amor não é uma simples convulsão de corpos entrelaçados.

Simpático

Às vezes me sinto bem comigo mesmo e nessas horas me recrimino por ter pensado em tantos revólveres, cordas, formicidas e saltos de viadutos para me livrar de tão simpática pessoa.

Oz, Celan, McEwan, Roth

Para que os (im)prováveis leitores não fiquem no meio do caminho por culpa de minha dispersão, um registro: concluí o livro de Amós Oz citado aqui há alguns dias e ele é tão brilhante quanto me pareceu no início. Li ontem uma coletânea de poemas de Paul Celan (Cristal, traduzida por Claudia Cavalcanti e publicada pela Iluminuras) e eles me revelaram a alma de um verdadeiro artista e de um homem notável (como deixar de qualificar assim alguém que se mata nas águas do Sena?). Estou lendo agora Solar, de Ian McEwan, publicado pela Companhia das Letras, em tradução de Jorio Dauster, e a primeira impressão está sendo poderosa. A McEwan sempre me pareceu que faltava um pouco mais de calor, de paixão, e neste Solar há nas páginas iniciais esse calor e essa paixão, fazendo-me lembrar de Philip Roth. Como minha ojeriza ao sol e a qualquer vida que não seja a dos livros tem se acentuado, espero terminar a leitura neste domingo e poder dizer que o romance todo é tão bom quanto seu começo. O protagonista, Michael Beard, Prêmio Nobel de Física, está perdendo aos cinquenta e três anos sua mulher de trinta e quatro para um assentador de azulejos e reage como qualquer rapazola chutado pela namorada. Um exemplo do estilo direto de McEwan: "Beard havia se surpreendido ao descobrir como era complicado ser um corno."

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Como um verme

Que a tua voz, se for ouvida, seja assim como um sussurro, um balbucio, uma imitação de brisa, um engano, uma ilusão dos ouvidos. Que ela soe tão discreta e delicada quanto não soa o minúsculo verme arrastando-se na grama distante.

Simples

Seria simples
se quisesses
seria assim como respirar
quando há força nos pulmões
e vontade nas narinas
seria assim como cantar
quando a tarde pede alegria
e quando o álcool
ateia fogosas canções
nos corações dos meninos
e das meninas

Seria simples como sonhar
como pensar
como viver
quando para quem sonha
quem pensa
e quem vive
é simples
sonhar pensar viver

Seria simples
se viesses
um dia
e nem de Deus
nem de bons augúrios
nem de preces
eu precisaria
se quisesses
se viesses
se estivesses.

A ti

A ti, que amor não me deste,
Eu devo esta epifania:
Com teu desprezo fizeste
Brotar em mim a poesia.

Recordar

Que do amor restem ao menos
Algumas ternas lembranças
Das tardes quentes e mansas,
Dos dias claros e amenos.

Que se olvidem as vinganças,
As maldições, os venenos,
E soem ainda plenos
Os sons das antigas danças.

Se o amor foi belo e morreu,
Que o exaltemos, tu e eu,
E que, se alguém perguntar,

Que tu e eu dizer possamos
Que um dia nós nos amamos
E que é doce recordar.

Revisores

Quando os jornais decidiram que todos os redatores sabiam português e dispensaram os revisores, extinguiu-se a mais preciosa fonte de ressentidos, humilhados, coléricos e ofendidos que se pode imaginar. A qualquer um deles Dostoiévski pagaria de bom grado uma vodca e emprestaria sua machadinha. O mais notável exemplo de revisor transposto para a literatura é Luís Filipe, Fi, do não menos notável romance Crime Improvável, de Luiz Carlos Cardoso.

Como um cisco

Foi afastado com discrição, como um cisco que se tira do ombro com um peteleco. Há um segundo estava ali e, pronto, não está mais. Ele preferiria que o enxotassem, que o escorraçassem como a um cachorro, que o chutassem. Gostaria de ganir, de uivar, de rosnar. Quem ouvirá as lamúrias de um cisco?

Como antes

Está só, agora. Se fosse uma pedra ou um punhado de areia, talvez alguém tocasse nele por um instante, ainda que fosse apenas para varrê-lo ou mudá-lo de lugar. Ninguém o vê mais, ninguém o enxerga. Ele está só, como sempre sonhou estar, e vê que foi sempre assim, que nada se modificou. Antes falavam com ele, é verdade, mas ele já se obstinava então em não ouvir, em se fechar, em seguir sua vocação de areia, em ser fiel ao seu destino de pedra.

Maldição

Falta-me, nestas tardes de inverno, o sol de cujo calor outrora eu tanto desdenhei. Deus nos deu as palavras, mas que preço devemos pagar por elas. Tudo que dizemos - rosa, fruto, fonte, rio - o vento maligno nos sopra de volta no rosto e transforma em maldição.

Bibelô

Ele tem os olhos tão mansos, fala tão baixo e procura ser tão doce, que é fácil gostar dele, como um bibelô que alguém compra e coloca à frente dos outros, na sala, porque pareceu tão gracioso na loja e, como fazem os gatinhos do pet shop, suplicou tão comoventemente com os olhos. Depois de um mês, ele já não chama a atenção, é posto atrás de todos os outros e ninguém jamais se lembrará dele, embora continue tão doce e tão carente. Ficará no fundo, ninguém o verá, porque não sabe miar como os gatinhos do pet shop, e seu destino de ostracismo só mudará quando a inábil mão de uma empregada esbarrar nele e espatifá-lo, como se espatifam todas as mansidões e doçuras da vida.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O guerreiro

O que hoje ele quer é não querer mais nada. Isso é resignação, tem consciência de que é, e alguém lhe disse uma vez que a resignação só é digna se vier de uma alma elevada, de um monge, de um santo. Um homem, como ele, deve lutar sempre, debater-se, estertorar, mesmo sabendo que, no fim, toda batalha só serve para exacerbar a derrota ou desdenhar a vitória. Há que lutar assim mesmo, ele sabe disso, sempre soube. Mas agora não pode mais lutar, não poderia, ainda que quisesse. Lutou muito, criou moinhos e investiu contra eles, provou o amargo fruto dos dias e o fel das insones madrugadas, fingiu ser outro para munir-se de coragem, quis diminuir o inimigo, para fortalecer-se, e o que a luta lhe fez foi envenenar todos os seus sentimentos. E foi roído pela inveja, e sangrado pelo ciúme, e vergastado pelo ódio. Lutou pelo amor, como se lutar fosse um direito seu e uma obrigação inscrita no seu destino, e saiu da luta sentindo-se menor, abjeto, mesquinho, asqueroso. Perdeu a luta, mas tem hoje a convicção de que se sentiria também menor, abjeto, mesquinho e asqueroso se houvesse vencido. Está cansado, ferido, lhe aprazeria estar morto, mas não quer alívio, nem consolo, nem comiseração. Resignar-se a não mais lutar lhe devolveu a alegria única de poder ficar no seu canto e, destituído dos deveres de guerreiro, chorar. Talvez, no final de tudo, possa querer ao menos isso: chorar.

Velho

Os olhos enfraqueceram, as pernas perderam a alegria de andar e as narinas há muito esqueceram o olor das rosas. A memória guardou, sabe-se lá como, um nome de mulher e, desde que o põem no sofá, de manhã, até o momento em que, à noite, o levam de volta à cama, ele tenta dizer esse nome, porém os lábios murchos emitem só o silêncio e algumas bolhas, que às vezes o netinho brincalhão desmancha com o dedo. Está assim há dois anos.

A última

Que eu morra com uma bela palavra na boca e que, mesmo sem conseguir dizê-la, todos saibam, pelo desenho dos lábios e porque não poderá ser nenhuma outra, que palavra será essa. E não me importa que depois digam, talvez até jocosamente, que morri com o amor entalado na garganta.

Arre, flores

Chegando à esquina, ela ainda acenou e, para que ele não suspeitasse que era a última vez, sorriu. E, para que ele não pensasse que era o último sorriso, sorriu de novo, e outra vez acenou. Depois esperou que ele se afastasse - não fosse ele querer segui-la para continuar lhe falando de poemas e de flores. Estava ansiosa por frutos, frutos duros, maduros, e sua boca, só de imaginá-los, palpitava inquieta, enquanto subitamente se apossava de todo o seu corpo um calor que a tarde fria não justificava. E seu coração batia forte como nunca: frutos, frutos, acompanhando agora a pressa dos seus passos.

O sofá

O sofá é teu lugar agora, disseram teus filhos e tua mulher, e tuas pernas cansadas concordaram. Tanto tempo ficas aí, todo dia, que tu e o sofá são já a mesma coisa. Gostarias de conversar, mas quem quer ouvir falar de um passado que não seja o próprio, quem dará atenção a um sofá?

Tão triste quanto

Queimará no inferno. Hoje, uma mulher devastada pela dor lhe pediu dinheiro para enterrar um filho de um mês. Ele deu, mas antes a fez ouvir a triste história do seu amor, morto há dois meses. E, além de comparar as dores, excedeu com suas lágrimas as lágrimas da mulher.

Compostura

Com os seus setenta e dois anos, acha que já tem direito a duas ou três convicções. Por exemplo: jamais sorrirá para foto nenhuma. Precisa respeitar o morto que logo vai ser. Que pantomima é ler necrológios em que se citam os sofrimentos de alguém e ver, ao lado, aqueles trinta e dois dentes de ganhador de megassena. Quando lhe apontam uma câmera, ele não mente mais, fecha amargamente a boca. Aos mortos que já são, e aos que serão, há que se prestar reverência. Se estivesse convencido disso antes, nem de suas fotos do tempo de bebê poderiam dizer, como ainda dizem em reuniões de família: olha que gracinha ele era, com esse sorriso banguela.

O dia

Por mais que possa tardar,
Um dia te esquecerei.
Quando esse dia chegar,
Ou louco, ou morto, estarei.

Trabalho

Ela saiu debaixo do homem e correu até o quarto vizinho, onde o filho, de cinco anos, tinha engasgado de tanto tossir. Pegou-o no colo e lhe pediu que a esperasse mais um pouco, na cama. Já voltaria e sairiam para comprar remédio. "Você está trabalhando, mãe?", ele perguntou, vendo-a nua, e, obediente, tornou a se deitar. A caminho do outro quarto, a mãe deu graças a Deus porque, com o dinheiro que receberia do homem, poderia ir com o menino à farmácia. Quando ela entrou no quarto, o homem, todo vestido, a esperava de pé e com raiva no rosto: "Você não está pensando que eu vou pagar, está?"

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Aquelas pungências

Como devem rir, ainda, daquelas palavras que, antes de escrevê-las, ele banhava no que de mais puro tinha na alma. Como ela deve mostrá-las aos amigos, às amigas, tirando-as uma a uma da caixinha, e que sucesso cômico elas obtêm sempre, quando as conversas já se cansaram das miudezas do dia a dia. "Ouçam", diz ela, "ouçam", e relê aquelas aflições, aquelas tristezas, aquelas pungências que o mataram, aqueles termos cheios de comoção e de lágrimas que ele lhe mandava, quando os outros, os que punham de ponta-cabeça o coração dela, só lhe diziam (quando diziam) "vamos lá, benzinho?"

Dançarina

Aquele pobre-diabo
que te amou
que disseste amar
e talvez amaste
morreu de amor
aquele tolo
aquele traste
e não vai jamais dançar contigo
e com mais ninguém dançará

Mas Deus que tudo vê
decerto te concederá
alguém menos tolo
que possas amar
que possa te amar
e que por te amar não morra
e com quem tu
como mereces
dileta filha de Terpsícore
possas esquecer tudo
e dançar dançar
dançar

Chapas

A morte lhe dá recados
pela fraqueza dos pulmões
pelo rim preguiçoso
pelo baço canceroso
pela crônica insuficiência do coração

Os médicos afirmam
as chapas confirmam
ele fica esperançoso
e a família de prontidão

Mas morrem tantos
todo dia
no Jabaquara
na Bahia
em Caldas Novas
no Centro Velho
no Afeganistão
e ele continua desgraçadamente vivo
apesar de todas as chapas
e com a mão surpreendentemente boa
vai contando dia e noite
a história do seu sofrimento
e da sua frustração

Um gato

Não devia mandar-te poemas. Palavras se desfazem no ar, e as que parecem tão douradas quando as escrevo, e tão régias, chegam aí tão foscas e serviçais... E as de queixa chegam tão ridículas, e as de ira chegam tão mansas... Devia mandar-te um gato, que te afagasse e que afagasses, mas que soubesse também arranhar-te e rasgar teu sofá, quando merecesses.

Se ela não vier

Quando era menino, tinha medo de que a morte, a qualquer instante, viesse buscá-lo, onde quer que ele estivesse. Hoje - destroçado pelo amor e desenganado pela vida -, jamais sai de casa e mesmo assim receia que a morte não o encontre nunca.

Agatha Christie

Curiosa, ansiosa, mas mantendo seu ritmo meticuloso, a traça vai comendo letra por letra do livro. Não sabe quando, mas há de descobrir quem matou Roger Ackroyd.

O menino da crônica

Certa ocasião, me senti perto da fama total. Numa crônica que fiz para o Estadão, falei de um menino que, ao contrário dos outros, amava a matemática, apreciava só brincadeiras sérias (a preferida era aquela na qual ele era gerente de banco) e que, quando lhe perguntavam o que desejava ser no futuro, respondia sem vacilar: "Quero ser uma pessoa jurídica!" Assim que o texto foi publicado, recebi um telefonema da produção do Fantástico, da Globo. Instantaneamente me imaginei um fenômeno de duas mídias, ocupando um espaço nobre aos domingos. Durou pouco o devaneio. Não me queriam, queriam o endereço do menino, para entrevistá-lo. Minha decepção foi grande, mas me parece que a do produtor do programa foi maior, quando eu lhe disse que o garoto era fruto de minha imaginação.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Coerência

Por ti eu tanto vivi
Que não te surpreenderei
Se te disser que ainda hei
De um dia morrer por ti.

Cinzas

Arderão comigo todos os meus gorados sonhos e as pueris esperanças. E arderá também - porque Deus é justo - meu coração, que nos sonhos e nas esperanças acreditou, como acreditou na perenidade dos juramentos e na eternidade do amor.

Mau juízo

Ela julgou que ele quisesse seus olhos, ele queria o olhar; supôs que ele quisesse seus lábios, sua boca, sua saliva, ele queria um sorriso; imaginou que ele quisesse suas pernas, a maciez de suas coxas, ele queria só que vinte em cada duas dezenas de passos dela fossem dados na sua direção.

Boa ação

Toda vez que o farol se abria, os carros vinham e passavam sobre o cachorro morto. Mulheres e homens olhavam com repugnância para o corpo ensanguentado. Então dois meninos aproveitaram um minuto de farol fechado e arrastaram o cão para a calçada. Na camisa do uniforme escolar deles se estampou um sangue que instantes depois seria recebido com um palavrão por uma das mães, enquanto a outra exclamava: "Você parece um açougueiro!"

Foi assim?

Anda ruim da cabeça, é o que diz às amigas, todas já setentonas como ela. Hoje, por exemplo, assim do nada, lembrou-se de uma tarde muito antiga, em que devia ter sete ou oito anos e, indo comprar um sorvete, chorou porque lhe faltava uma moeda para completar o preço. O dono da padaria, um homem gorducho, careca e barbudo, lhe deu o sorvete assim mesmo e a beijou duas vezes no rosto. Nessa memória de um dia tão distante, introduziu-se hoje uma cena que ela só pode atribuir à sua idade atual e à sua imaginação. Depois dos dois beijos, o homem deu-lhe também dois apertões nos peitos e sorriu: "Você está ficando uma mocinha."

Pomar

Os deuses nos procuraram
E terra fértil nos deram,
Sementes boas trouxeram
E o plantio abençoaram.

As estações nos pouparam
E todas brandas vieram
E os ventos nos convieram
E todos mansos sopraram.

Um dia, quando acordamos,
E para o pomar olhamos,
Os frutos nos receberam.

Mas logo nos enfadamos,
Jamais o pomar regamos
E os frutos todos morreram.

Terça

Como eu te amaria, terça-feira, se me viesses não com este sol e com estas promessas que não cumprirás, mas sombria e fatal como se fosses, de todas, a derradeira.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Crueldade

A pior crueldade é aquela que mata o amor pretextando agir em nome dele. A mais típica das frases dessa espécie de crueldade é: "Isso é para o seu próprio bem".

Réus

Errei eu, e também vós.
Morreu o amor que tivemos,
Porque ele se deu a nós,
Mas nós a ele não nos demos.

Estátua

Tenho às vezes certa birra com a gramática, mas não deveria. Venho sustentando minha família há décadas - primeiro no Estadão, depois na Visão e mais recentemente na Cosac & Naify -, por haverem acreditado que eu entendia algo sobre os mistérios da crase e da vírgula e sobre as armadilhas dos astutos verbos, com suas rizotonias e arrizotonias. Se dispusesse de dinheiro para tanto, encomendaria a um escultor uma estátua em que as temidas figuras gramaticais sorrissem para um revisor, que poderia ser eu (pronome pessoal da primeira pessoa do singular) ou outro (pronome indefinido).

Se os suspiros

Se os suspiros de todos os que, neste instante, lastimam o amor perdido soassem juntos num só lugar, o tremor alcançaria pelo menos 4,2 graus na escala Richter.

Méritos

Que Estêvão de L. Queirós, que eu não conheço, seja muito feliz em tudo que fizer e viva uma vida venturosa. Não me importo. Mas amaldiçoado seja ele se morrer antes de mim. Não acredito - se o sofrimento é a preparação para a morte - que ele tenha mais méritos do que eu.

Saltimbanco

Se para ti fosse doce,
E se te desse alegria,
Faria o que quer que fosse,
O que pedisses faria.

Se com minha dor tu risses,
Eu me faria em pedaços
E se quisesses tolices
Faria as de mil palhaços.

Só para te divertir,
Me disporia a pagar
Qualquer que fosse o tributo:

O mar inteiro engolir,
Um touro louco domar,
Me arremessar do viaduto.

Segunda

Segunda-feira dolorosa, eu escrevi ontem o que está aqui. Não me perguntes como, mas já sabia que virias tão triste quanto o domingo. É tão intuitivo o coração de quem sofre, e já tantas calamidades suportou, que as pressente assim como o bezerro levado ao sacrifício pressente no caminho, ao ver a sanguínea cor do sol, a pancada da marreta ou a agudeza do punhal.

domingo, 17 de julho de 2011

Quatro letras

Em algum lugar entre a Paulista e a Consolação, naquela tarde, não me quis sair dos lábios uma palavra que, para castigá-la, nunca mais eu disse a ninguém.

Oraçãozinha para o domingo

A infelicidade aos domingos é tão mais autêntica, pungente, calorosa... Deus dê vida longa aos domingos, e a nós, para desfrutá-los.

Página de diário

Há tanto tempo já não converso contigo que, se te encontrasse agora, não saberia o que dizer. Melhor assim, minha amiga. Melhor não te ver nunca mais. Jamais poderei falar contigo sem chorar.

Ainda

Às vezes, ninando aqui
A minha infelicidade,
Me vem aquela saudade
E choro pensando em ti.

As da alma

Mas as piores chagas são as da alma, que machucam em silêncio e a vão roendo mesmo quando, tão habituado à dor que já está imune a ela, o corpo parece morto e enterrado.

Azuis

O mais triste de tudo, disse a mãe da menina morta, contemplando-a no caixão, era que assim, de olhos fechados, não se podia ver como eles eram lindamente azuis.

Sua alegria

Aprendeu a viver com a tristeza. Em casa, está sempre ao lado dela, no sofá. Quando sai, a cada dez ou vinte passos vê se ela o acompanha. Quando não há ninguém por perto, conversa com ela e sorri a cada observação que ela lhe faz. Quem o vê, de longe, tem a impressão de que é um homem feliz. A tristeza é a sua alegria.

Crente

Tanto disseram que o amavam
E isso tão doce soou
Que não pensou que falseavam
E, cândido, acreditou.

Terra arrasada

Não tenho nada que preste.
Já não me quer nem a morte.
Sou todo seco, no norte,
No sul, no leste e no oeste.

Desforra

Naquela noite, o gramático dormiu de janela aberta e a empregada, ao chegar de manhã, viu que ele havia sido devorado por uma enorme sinalefa que, interrogada, atribuiu o ato a um antigo desejo de vingança, nascido num dia em que o morto, numa aula, a chamara de crase metida a besta.

sábado, 16 de julho de 2011

O fim

O sol deixa seus últimos farelos de ouro sobre a terra, e o seu severo rosto, que sempre temeste, se abranda com os primeiros traços da noite. Não há ninguém mais no caminho e, se quisesses, talvez conseguisses alçar a mão e apanhar o fruto desta árvore. Mas não precisas fazer isso. A árvore, tão velha quanto tu és, te reconhece e faz cair com suavidade à tua frente o fruto que adivinhas ser o melhor que ela tem a oferecer. Tu o apanhas, grato, passas a mão carinhosamente nele, como se estivesses acariciando uma borboleta, e te sentas embaixo da árvore. Se tu e ela não estivésseis tão cansados, talvez se iniciasse uma conversa. Mas é hora de desfrutar a doçura do cansaço e do fruto. É o que fazes. De nada mais necessitas. No coração já não fervem como outrora teus sentimentos, sabes enfim apreciar a simplicidade das coisas. No teu rosto há algo que se poderia quase chamar de beatitude. Estás no fim do caminho e ele já não te parece tão áspero.

Amar alguém

Amei alguém. Se eu não tivesse escrito nada mais na vida, me bastaria isto que leio agora. Amei alguém. No fundo, os escritores todos, até os mais prolixos, não fizeram até hoje nada além de repetir de várias formas que amaram alguém. Faz-me bem dizer isso - amei alguém - e dizer de novo: amei alguém. Sei que não serei capaz jamais de escrever algo mais belo e intenso do que isto: amei alguém.

Opção

Nem glória nem alegria.
É tão melhor o fracasso...
Poder ceder ao cansaço,
Querer curvar-se à abulia.

A lógica

Sinto, se no assunto penso
De maneira imparcial,
Que viver é um contrassenso
E morrer é o natural.

Fiapo

A pipa, quando desceu, trouxe um fiapo de arco-íris. Nesse dia e em mais dois ou três, o menino andou com o fiapo na rua, na escola, em toda parte, mostrando-o aos amigos. Depois se cansou, guardou-o numa caixa de lápis de cor e esqueceu-se dele.

Anjinho

No velório do rapazinho, morto por um traficante, a mãe ainda não tinha chorado. Chegou então a madrinha do garoto gritando "meu anjinho, meu santo, o que fizeram com você?" - e a mãe se esqueceu de como ele a surrava, de como ele roubava seu dinheiro para comprar crack, de suas duas passagens por centros de recuperação e começou a chorar enfim, tempestuosamente, encharcando de lágrimas o rosto do filho: "Meu querido, meu bebê, meu nenezinho, por que Deus fez isso comigo, por quê?"

O editor

Publicou o primeiro livro aos vinte anos. Tem mais de setenta, agora, e desde os vinte e um está em má fase. Os originais que manda às editoras são todos rejeitados. O mais recente, enviado ao editor e crítico literário Márcio Tupinambá, voltou ontem e, ao contrário do que aconteceu com os outros, a recusa veio bem fundamentada. Tupinambá diz que do livro, de vinte contos, um seria publicável, se não lhe faltassem alguns ingredientes: clareza, correção vernacular, concisão, completude, análise mais acurada dos personagens e fluência da trama. Tupinambá, atencioso, termina o parecer sugerindo ao setentão escritor a leitura dos romances de José de Alencar, principalmente os da fase indianista, e, como consolo e alento, recorda que Paulo Coelho também enfrentou muitas dificuldades no início e hoje é o que é.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Três

Se o gênio da lâmpada lhe concedesse três pedidos, gostaria de ser: 1) uma folha; 2) uma folha morta; 3) nada. Se tivesse de escolher só um dos itens, optaria pelo de número 3.

Irmão

Quisera ter sido meu irmão. Ele foi melhor do que eu em tudo - mais generoso, mais solidário, mais honesto, mais homem. Como sempre faz quando se trata de escolher entre bons e maus, Deus o levou primeiro. Ah, meu irmão. Eu, que sempre tive inveja de ti, te invejo também por isso, pela paz que me falta e tu conseguiste, com aquele estampido atordoando a tarde.

Gosto

Conhece a dor e a alegria,
Mas do seu gosto se esquece.
Agrada-lhe a apatia,
A vida não lhe apetece.

Mais dia menos dia

Espera os dias agora
Com o alento que lhe dá
Saber que um deles trará
A sua última hora.

Cole Porter

Na dúvida sobre se um homem é mesmo homem ou robô, coloque para tocar uma canção de Cole Porter - Night and Day, por exemplo, ou You Do Something To Me - e fique atento aos olhos dele. Se em vinte segundos neles não brilhar ao menos uma lágrima, a possibilidade de ele ser robô é de 98%. Os 2% que restam ficam por conta da hipótese de o homem ser surdo.

O sol

Que bela embromação
é o sol para os idiotas

Eles o amam
o esperam
e se ele tarda
se desesperam
se exasperam
e se perguntam aflitos
se é verdade
que um dia ele faltará
se não é uma calamidade
saber que ele não brilhará
por toda a eternidade

Como lhe fazem festa
os cretinos
os madrugadores
os galos tenores
os meninos
e é de estranhar
que quando ele surge
não se ponham a berrar
por todos os lados
todos os sinos

Que alegria
para os imbecis
para as mentes juvenis
e para algumas senis
quando ele com seu bafo quente
declara inaugurados oficialmente
a manhã e o dia

E (que tristeza confessá-lo)
que despeito dá
não encher também o peito
e como os outros
os idiotas os cretinos os imbecis
os velhos e os meninos
ir também esperá-lo
e para chamá-lo
fazer berrar todos os galos
e todos os sinos.

Desaparecido

Já está naquela fase da senectude em que logo sua foto sairá no jornal sob o título Desaparecido, com o texto informando que na ocasião do desaparecimento vestia tal camisa e tal calça. Ou - pior - com o texto dizendo que na ocasião não trajava roupa nenhuma.

Amós Oz

Comecei a ler Uma Certa Paz, de Amós Oz, publicado pela Companhia das Letras, em tradução de Paulo Geiger. Ando pela página 100 e, com a mesma confiança que tive uma vez com um livro de Sandor Márai do qual havia lido menos de um terço, atrevo-me a escrever já - como se o tivesse lido na íntegra e fosse encarregado de arranjar adjetivos para colocá-los na contracapa - pelo menos estes: "pungente", "brilhante", "único", "imperdível", "maravilhoso".

Elefante

Há muito, muito tempo, disseram-lhe que ele era um bom menino. É essa a fonte de sua amargura. Ele não mudou nada, continua a ser um bom menino, mas hoje não há mais elogios e o olham como se fosse uma aberração, um elefante tomando mamadeira.

Alquimista

Wislawa Szymborska poderia transformar areia em ouro. Mas o que lhe agrada é transformar ouro na areia que os meninos, na praia, usarão para fazer seus castelos.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Triste quinta-feira

Falar o que mais? Há títulos que dispensam o texto. Assim como as lágrimas, dizem tudo por si sós.

Um pouco de verdadeira poesia

Como compensação para os (im)prováveis leitores do blog - se perdão merecem meus esganiçamentos "poéticos" -, transcrevo o poema Fotografia de 11 de Setembro, de Wislawa Szymborska, extraído da antologia Alguns Gostam de Poesia, publicada pela Cavalo de Ferro Editores, de Portugal. Hoje, ao lê-lo, senti que dediquei minha vida toda ao exercício de algo que não me fez ser mais do que um farsante...

Atiraram-se dos andares em chamas.
Um, dois, ainda alguns,
mais acima, mais abaixo.

A fotografia deteve-os na vida,
preservou-os
sobre a terra rumo à terra.

Cada um ainda na íntegra,
com rosto individual
e sangue bem guardado.

Ainda há tempo
para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.

Ainda estão no âmbito do ar,
ao alcance dos lugares
que acabaram de se abrir.

Só duas coisas posso por eles fazer
descrever este voo
e não acrescentar a última frase.

De boteco

O pior que alguém pode nos fazer não é nos tirar a vida, é nos tirar a vontade de viver.

Modo de ser homem

Sim eu choro
é essa minha valentia
sou fraco fosco
baço opaco
e minha única luz
minha energia
é a que me nasce nos olhos
e buscando os lábios denuncia
meu modo de ser homem
minha covardia.

Chama

Chama igual não arderá.
Cada vez mais se propaga
E nem agora se apaga
Nem nunca se apagará.

Tarde demais

O amor ainda bate à porta
Com aquela mesma canção,
Mas morreu teu coração
E também tua alma está morta.

Afeto

Foi ouro, foi ouro, sim.
Brilhou já desde o arrebol,
Tornou-se esplêndido sol
E sol foi até o fim.

Tristeza

Sobrou-me a tristeza. E como é doce ela, como me afaga com suas mãos cuidadosas, como se lamenta por só ela ter ficado, como se dela fosse a culpa. Sinto que, se pudesse, ela traria o amor de volta e sairia discretamente pela mesma porta pela qual o fizesse entrar.

Dados para uma cantiga de ninar

Fecha os olhos, menino, e dorme. Lá fora um urso, grande, um urso enorme, está arranhando a porta (não estás ouvindo?) e, se não dormires já e já, tua mãe se aborrece contigo e traz o ursão para dormir aqui no teu bercinho e para ser o pai malvado do teu ursinho.

Silêncio

Que tua voz agora
seja a do silêncio

Tanto imprecaste
tanto maldisseste
que ainda é possível
depois de tanto tempo
recolher no ar
sílabas tuas
vogais pontudas
pedaços do teu ódio
fragmentos do teu rancor
lascas do teu ressentimento

Como alguns
como tantos
como todos
julgaste única a tua dor
e clamaste por atenção
como um menino remelento
chato e birrento
atirando-se ao chão

Tantas tolices disseste a tantos
e a tantos desejaste
doença calamidade e peste
que quando morreres
muitas delas ainda ficarão
para contar a história
e para garantir à tua memória
a eterna e meritória execração.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Homem branco

Ele é fascinante

Pode entretê-la durante horas
falando da selva
de canibais
de rios devorados por piranhas
de bruxarias e feitiçarias
e de misteriosas ervas medicinais

Pode falar de prodígios sexuais
de índias que depois
de dez cópulas bem copuladas
ainda querem mais

Pode contar-lhe
que viu o sol
trespassado por flechas
num dos rituais
e também como
juntando seu mijo
ao mijo dos aborígines
cem deles ou mais
pintou de ouro definitivo
o mais claro dos mananciais

E pode dizer-lhe em tupi
to be or not to be
e dar-lhe um cocar
e fazê-la corar
mostrando-lhe imagens
de como fornicam os selvagens

Ele pode
ele pode sim
contar-lhe maravilhas
o bravo guerreiro branco
e o faz
embora por modéstia
oculte tantos fatos mais

Ah, convém tratá-lo bem
sempre muito bem
para que jamais seja tentado
a rever as tribos notáveis
o manancial eternamente dourado
as índias incansáveis
e o sol que flechado
agonizando como um javali
brilhou ainda reverente
sobre sua cabeça de predestinado.

Agenda

Deitar-se como um defunto
E assim ficar. Não sonhar,
Não querer, não ter assunto,
Não viver, não respirar.

Desespero

Odeia cada batida do seu coração, cada inspiração, cada expiração. Abomina cada passo que dá, dentro de casa, sempre dentro de casa, porque teme a luz do sol. Fecha-se, cerra todas as janelas, tapa as frestas, o vão das portas, e, como se fosse vítima de um suplício chinês, ouve, porque não pode impedir, a algazarra dos pássaros, cantando a alegria dos dias, e o burburinho da rua gritando que tudo está vivo, que desgraçadamente tudo, até ele, está vivo.

Mais um dia

Quando outro dia se vai e o sol posto o vê no mesmo sofá em que o sol nascente o viu, ele sobe para dormir na cama. Sempre tem pena de si mesmo, nessa hora. Como não ter?

Warner Bros

Não suportando mais a infelicidade, engoliu três pílulas e dormiu, com a tevê ligada. E a noite toda as gargalhadas das séries zombaram dele, estendido no sofá.

Feliz

Aprendeu um ardil e o vem usando com sucesso: quando o sol entra no quarto para tirá-lo da cama, ele finge estar morto e vai ficando, ficando. Faz três dias que não sai de casa e nunca esteve tão feliz.

O direito dos personagens

Assim que iniciou seu primeiro romance, sentiu que a literatura era um ramo de atividade complicado. Os personagens do livro começaram a atormentá-lo nos sonhos, exigindo maior participação na trama, citando um tal de Pirandello.

O filho escritor

Ao saber que certo mau poeta havia morrido, Deus comentou: "Ah, aquele? Que alívio! Vocês acreditam que ele andava por aí me chamando de Pai?"

Já que

Já que, por birra e crueldade,
Amar-te tu não me deixas,
Que ouças, mesmo sem vontade,
Pelo menos minhas queixas.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Pesadelos

Nos pesadelos, cada vez mais extravagantes, ele a vê manuseada por rufiões, aventureiros de longas barbas e tatuagens, caçadores de recompensas, traficantes de peles, escravizadores de índios, anões de faces horrendas e mercadores de objetos sagrados. E quando corre para ela, tentando salvá-la, ela sorri para ele com escárnio e o afasta, chamando para servir sua lascívia um eunuco que sabe, porém, com sua língua áspera, riscar seu corpo com chicotadas que a fazem urrar como uma leoa.

Não mais que isso

Nem mais amor nem ternura.
Quero juntar meus escombros
E pondo as mãos em teus ombros
Chorar a minha amargura.

As naus

Buscando o amor, duas naus,
Uma de nobres guerreiros,
E a outra de flibusteiros,
Por ventos bons e por maus

Lançaram-se pelos pélagos,
Rondaram todas as ilhas
E com o furor de suas quilhas
Rasgaram os arquipélagos.

Depois de intensos tormentos
O desatino dos ventos
A nau dos bons afundou.

E o canto dos vencedores,
Dos vis, dos estupradores,
Sobre as ondas se elevou.

Nós

Se agora nós dois não temos
Mais o amor que nos uniu,
Foi ele que nos fugiu
Ou fomos nós que o perdemos?

... quanto

Um pêssego pode ser uma lição de metafísica tão apropriada quanto o chocolate de Fernando Pessoa - talvez até mais poética e presumivelmente menos calórica.

Sinônimo

Se me pedissem um sinônimo para poesia, eu daria este: Wislawa Szymborska.

Sopa de letras

Para estimular o neto de seis anos a tomar a sopa, a avó colocou nela macarrão de letrinhas e, a cada colher que enchia, ia dizendo: "Olha aqui, um 'c', um 'a', um 's', outro 'a', formam o quê? Casa." E assim por diante. Esvaziado o prato, o neto quis saber se as palavras haviam formado um livro em sua barriga. A avó respondeu que sim, um belo livro, talvez a história de um cachorro heroico ou de um gato brincalhão. "E os desenhos?", perguntou o neto, olhando esperançosamente a panela no fogão.

Bruxa

O gato da tinturaria já se habituou. Mas de vez em quando um dos casacos pendurados no varal, algum que veio de um freguês novo e foi posto pela primeira vez ali, lhe faz correr um arrepio pela espinha e lhe lembra vagamente um pavor ancestral, um pesadelo em que uma bruxa, enfiando uma imensa colher num caldeirão sulfuroso, o adverte de que, se não se comportar, será utilizado como um dos ingredientes e misturado aos sapos, corvos e lagartixas que fervem na mistura.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Vocação

O menino estava ajudando a avó a lançar sementes no quintal, quando um pássaro apanhou alguma coisa no bico e saiu voando. "Ele vai começar um jardim no céu", disse a avó, embora tivesse visto que o passarinho pegara uma minhoca. Mas o menino acreditou e até hoje - poeta de mãos vazias - conta que esse foi o momento no qual a poesia entrou em sua vida.

Ser humano

Se nos víssemos como somos, não estranharíamos ver os outros como nos parecem ser. Cá entre nós, não prestamos. Cá entre nós, fedemos.

O pássaro doente

No seu último dia de vida, o alvoroço provocado pelas pessoas embaixo, na calçada, ao verem meu irmão tentando passar uma perna pela grade da sacada do apartamento, o impediu de consumar o desígnio de ter num voo seu último gesto. Apontado por dezenas de dedos, ele voltou para dentro e resignou-se a cumprir o obscuro destino de se matar com um tiro de revólver, como um homem qualquer.

Para alguém que nasceu em 22/10/1938

Foste feliz em 1937. Nada conhecias, nada querias, e o amor, teu algoz, era só um entre tantos sentimentos que ignoravas, porque não existias. Mas, no começo de 1938, um homem e uma mulher, dois imigrantes poloneses, numa cama de uma pensão pobre, em algum lugar da Pauliceia, provavelmente na Nove de Julho ou na Barata Ribeiro, plantaram a semente de tua infelicidade.

Para ela

Não lhe estenderá um tapete vermelho. Sente-se muito fraco já e, quando ela vier, como conseguirá curvar a espinha para estendê-lo? E poderia seu tapete, se estendido, rivalizar com os de tantos reis, príncipes, cardeais, papas e potentados de todo tipo que ela já visitou? Ele a receberá bem, mas dentro de sua modéstia. Não revelará temor, porque não o tem, e, se ela lhe permitir perguntas, talvez ele queira saber se é verdade que Goethe pediu mais luz no momento derradeiro e se alguém alguma vez tentou suborná-la. Mas o que pretende mesmo perguntar - e é uma dúvida que tem desde menino - é se foi ela, ou alguma assemelhada, que levou embora a gata rajada que estava com o ventre cheio de gatinhos. Se ela disser que foi, ele se esquecerá da cortesia e, mesmo que isso lhe possa custar um fim mais doloroso, lançará sobre a visitante as últimas maldições de sua vida.

Segredo

É simples o meu segredo,
Tão fácil de perceber:
De morrer não sinto medo,
Sinto medo de viver.

domingo, 10 de julho de 2011

Como sempre

Soldado raso
o amor ousou
em condições desiguais
desafiar capitães generais
enfrentar heróis marechais
e à luta se lançou
e lutou
e golpes desferiu
e golpes levou
até que seu sonho de glória
como toda história de quem ama
acabou com seu corpo
estendido na grama

Seu consolo
como sempre
foi aquele
de dizerem
e disseram
por mesmice ou cordura
que se portou com bravura.

Conversa

Prefere conversar com as árvores depois do crepúsculo, quando, livres da obrigação de se exibir alegres e de cintilar a cada chicotada do sol, elas assumem o sóbrio matiz da noite e, não precisando agitar as folhas para chamar a atenção dos meninos que frequentam o parque, emudecem para ouvir as queixas de amor que toda noite ele lhes confidencia, enquanto a lua, curiosa, se aproxima para ouvi-las também.

Nobreza

No meio dos seis cachorros da casa, que ficam no portão esperando a passagem de alguém para latir estrepitosamente e arreganhar os dentes, o gato olha com desdém, para eles e para quem passa, proclamando sua condição superior. Mas houve um tempo em que tentou ser como os seis.

Garrafeiro

Encontrou no lixo uma flor tão bela, ainda, que a colocou no bolso da camisa. Achou que, além da boneca de um olho só, uma perna, e o rosto mordido provavelmente por um cão, poderia talvez ser um bom presente para a filha, numa terça-feira gelada em que ninguém parecia ter acordado com disposição de pôr o lixo na rua.

Saber

Tu sabes que não me amaste,
Tu sabes quanto te amei,
Tu sabes que me enganaste
E que jamais te enganei.

Entre milhões

Não sabe se são oito
se são nove
se são dez milhões

Toda manhã
indo cada dia para um ponto
ele sai buscando uma
uma só entre tantas pessoas
uma mulher
e embora três anos
dure já sua odisseia
ainda acredita que um dia
sejam oito
sejam nove
sejam dez milhões
os habitantes da cidade
ele a encontrará

Espera que em três anos
ela não tenha mudado
o modo de se vestir
o penteado
o jeito de andar
e ele possa vê-la
e ele possa reconhecê-la
entre oito
entre nove
entre dez milhões ou mais
(se a cidade tiver crescido)
e olhá-la comovido
e dizer sou eu
entre oito nove
dez milhões (ou mais)
sou eu eu eu

O momento

Se o mundo acabasse, ele não se importaria, desde que tivesse acabado naquela manhã de dezembro. Eram três horas e ela, tomando o último gole de café, disse que ia embora. Esse momento, em que ele, com os olhos nos dela, lhe suplicara que ficasse, seria o certo. Que o mundo acabasse antes que ela, desculpando-se, se levantasse e saísse, como saiu, para o chamejante sol da Paulista.

sábado, 9 de julho de 2011

Ainda tanto

Quem dera que os teus punhais,
Amor, me fossem amenos
E já me ferissem menos,
Mas ferem mais, muito mais.

Tão triste

Pensar em ti é tão triste.
Cada lembrança aflorada
É uma nova punhalada,
Mas o coração insiste.

Mentira

Amor, teus braços me cingem,
Teus lábios os meus procuram
E juras eternas juram,
Mas tuas palavras fingem.

A esmo

Havia aqui nesta esquina
ou naquela ali
algo que dizia algo ao amor
e no entanto ele
não lembra bem
o que é

Vai até a outra esquina
e também não lembra
se era este o bar
ou aquele o café
se esta a banca de jornais
em que as mãos dele e as dela
puxando a mesma revista
se tocaram falsamente constrangidas

Tantas ruas
tantas avenidas nesta cidade
tudo propositalmente feito
ou assim parece
para desnortear
e o amor agora
com seus passos lerdos
já não sabe
se viveu mesmo outrora
aquilo que a memória procura
ou se foi sempre velho assim
e com a imaginação senil
criou o que hoje
embora ele sorria para tudo
(lembra de mim?)
lhe vira as costas
e se recusa a reconhecê-lo.

Cimento

Onde estão as flores
o cimento crescerá
e embora não gostes
serás o único
a não gostar

Olha bem para elas
as flores
e se como gostas
quiseres ser dramático
podes regá-las com tuas lágrimas
assim como regas teus amores

Mas rega já
porque flores e amores
são rimas
são fragilidades
que perduram só
até o momento
em que sobre elas se deita
o duro cimento.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Boa noite

Parecia tão mulher o manequim, que o homem se curvou na frente da loja e disse: "Boa noite." E tão mulher ela continuou parecendo que ele, já dez passos adiante, julgou ouvir: "Boa noite."

Modos de ver

Uma pipa ficou presa entre os galhos do mamoeiro. Dois sessentões puseram-se a observar o esforço de um menino para resgatá-la. Um deles disse: "Que imbecilidade." O outro: "Que saudade!"

Cachorrinho

Evocando tristemente aqueles dias, lembro que, tentando agradar a ela, eu me esmerava para me portar como um cachorrinho pidão. Sempre que penso nisso, tenho a convicção de que deveria ter me esmerado mais, de que poderia ter latido com um pouco mais de entusiasmo.

Engano

Num tempo assim não tão ido,
E que durou mais de um ano,
Certamente por engano
Tu me chamavas querido.

Inútil

Quando aprendeu a linguagem do amor, estava já irremediavelmente fora do alcance de qualquer palavra dele a mulher que o havia inspirado a aprendê-la.

Poeta

Saindo da estação do metrô, à meia-noite, passou por um menino esquelético que, tremendo de frio, lhe pediu dinheiro para um pãozinho. Ele não viu o menino, não quis ver. Estava preocupado com coisa mais importante. Pensava em seu infortúnio amoroso e procurava uma rima para a chave de ouro do seu soneto.

Tolo

Tolo, tão tolo. Com setenta anos, entrou no amor como se tivesse dezoito - e saiu dele como se tivesse doze.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Frio

Os abraços que não nos demos morreram encolhidos, de frio, como meninos enjeitados.

Tranças

Sonhei-te nua. Sentada diante do espelho, tecias tuas tranças distraída, pensando no mais venturoso dos homens, aquele rei a quem reservas teu afeto, enquanto eu, olhando-te, imaginava, no sonho, que me satisfaria em ser teu cabeleireiro ou em ir, embora em passo lento, cumprir a ordem de buscar tua roupa na gaveta.

Epifania

Ontem, pensando em ti, senti algo tão forte que, por um momento, acreditando em epifanias e ubiquidades, eu a vi não em Mumbai, onde estavas, mas comigo, olhando para o café que na cafeteira murmurava um borbulhento poema de boas-vindas.

Charles Dickens

Na adolescência, amei tanto os heróis de Dickens que me sentia inferior e infeliz por ter um lar, pai, mãe, irmãos, família. Sonhava com noites gélidas, dormidas, por castigo, no chão de uma cozinha, longe da lareira.

Mário Chamie

Eu antes não vinha aqui,
Agora é meu paradeiro
A obra maior de Chamie,
Centro Cultural Vergueiro.

As notas certas

Belo é o amor quando, liberto dos ímpetos juvenis, do ciúme, da teimosia e da obsessão da posse, lembra só os momentos ternos e os canta, como um pássaro já bem vivido que conhece as notas certas e as emite com vagar e comedimento, enquanto os jovens se gastam em sua algazarra, como se a beleza pudesse ser buscada a esmo.

Aquém

Eu te cantei sempre, Amor.
Se melhor não te cantei,
Não foi porque pouco amei,
Mas por faltar-me valor.

Dor maior

Sim, o amor muito me dói
Mas faz-me ainda mais sofrer
Não conseguir escrever
Como escrevia Tolstói.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Tua voz

Tua voz há de ser suave
um murmúrio
um sussurro
um balbucio
uma asa de borboleta
roçando a brisa

Será essa voz
quase inaudível
que emprestarás
às tuas lamúrias de amor

Que só tu a ouças
tu e teu coração sofrido

Que ela não chegue
aonde tua amada agora
geme nos braços de um homem
e diz o nome dele
como se fosse o nome de um deus

Que ela não ouça tuas queixas
nem as pressinta

Se souber delas
se as imaginar
gemerá mais alto
e o nome do homem
nos braços de quem geme
ribombará pelos quarteirões
como o alto-falante
do caminhão anunciando frutas
no coração da periferia

Repugnância

Ontem, ao jantar, sentiu repugnância por suas mãos ansiosas mexendo os talheres, por sua ávida boca aberta. Devem merecer o pão estas mãos e esta boca que não conseguiram fazer o gesto esperado nem dizer as palavras certas, que não aprenderam a utilizar a linguagem do amor?

Ternura

Toda a ternura que em mim,
Em ti, em nosso amor há,
Em nós poderá ter fim,
Mas na lembrança estará.

Aquela manhã

Parece-lhe impossível que tenha emergido da escada do metrô para o alegre sol da Paulista, naquela manhã. Parece-lhe impossível que tenha entrado na cafeteria e que tenha se encontrado com quem se encontrou. Parecem-lhe impossíveis os gestos que fez, as palavras que disse. São momentos que só pode ter sonhado, ele hoje sabe, e lastima-se porque, sendo um sonho seu, só seu, não o fez durar mais, não o ampliou, não o eternizou, não morreu nele em plena glória do amor.

Melhor

Se é para o amor esquecer
E sufocar sua voz,
Melhor morrer que viver,
Melhor não sermos mais nós.

Atitude

Abriu o peito ao amor
E todo dia desfruta
Sabores doces de fruta,
Olores puros de flor.

Por quê?

Amor, amado menino,
De mim tu fazes, desfazes,
De mim não tens compaixão.
Amor, por que, meu destino,
Não celebramos as pazes,
Por que, amor, por que não?

Gelo

Roçou os dedos da tarde e estavam tão frios quanto os dele. Chorou então, de novo, pela rosa que havia acabado de tocar e que talvez, para poupá-la da noite gelada, deveria ter arrancado e posto no fundo mais fundo do casaco.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Cartada

Com o amor fora da jogada
O jogo está decidido.
A vida perde o sentido
E a morte ganha a parada.

Pusilânimes

Soubemos, desde o começo,
Como difícil seria,
Quanto o amor nos pediria,
Mas não pagamos o preço.

Ingratidão

Tínhamos direito nós,
Depois do amor que tivemos,
Fazê-lo, como o fizemos,
Padecer dor tão atroz?

Quem

Amor, quem há de ultrajar-te,
Amor belo, amor soberbo,
Quem há de te ser acerbo
Se é tão mais justo louvar-te?

Um só

Como faz bem um sorriso.
Vocês, que sorriem tanto,
Podem imaginar quanto
Eu de um só, só de um, preciso.

Bom menino

Nosso amor ensandecido
Mudou tanto e anda tão sério
Que pode ser usufruído
Na calma de um monastério.

Respeito

Alguns logo descobrem que é de amor que ele sofre. Ele sente isso porque são esses que o olham com mais compreensão e simpatia e falam baixo quando o apontam, como se ele carregasse o amor morto no colo.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Todo esse tempo

Não sei se, onde todo esse tempo estiveste, tu riste ou choraste. Posso te dizer que aqui, em todos os minutos de todo esse tempo, eu, porque rir na tua ausência seria uma infâmia, chorei - e, ainda que a tua alegria seja a minha ventura, bem quisera acreditar que choraste por mim tanto quanto por ti chorei.

Autodiagnóstico

Disse ao médico que não bebia e não fumava, não tinha preocupações filosóficas nem religiosas e que, se suspeitos havia para o mau estado do seu coração, um era o amor, o outro era a poesia.

Farpinha

Se outro ocupa hoje o proscênio,
Que ele te beije e te abrace
E pelo que eu passei passe
E sofra com o teu mau gênio.

Odezinha à vida

Amo a vida
dos outros

Nela não preciso ser
senão eu mesmo
não tenho que ter
o que não tenho
não tenho
que me exceder

Contenho-me
no que sou

Olho a vida
dos outros
dos semideuses de Pessoa
e contento-me em ser
do alheio ser
e do prazer alheio
espectador

Para os invernos que virão

Em mim, em ti, em nós hão
De estar sempre, dia a dia,
Da primavera a alegria
E a música do verão.

E que não haja senão
Espaço para a harmonia
E para o amor e a poesia
E para o sonho e a ilusão.

Assim, chegando os invernos,
Que na lembrança tenhamos
Os nossos tempos mais ternos

E que com o calor antigo
Nós aquecer-nos possamos,
Eu contigo, tu comigo.

Fotos

Se querem ver o legítimo sorriso dela, majestoso e belo como nenhum, esqueçam essas fotos e peguem uma, qualquer uma, em que eu não esteja.

Dois versos de Olavo Bilac

Há versos tão maravilhosamente escritos, com tamanho fulgor, que os outros versos do poema em que estão parecem pedir desculpas a eles e como que se encolhem, sentindo-se ouropéis. Os parnasianos, que perseguiram a perfeição formal, fizeram alguns desses versos ímpares. Olavo Bilac, o mais bem-sucedido deles, em muitos dos seus sonetos conseguiu o milagre de juntar catorze desses versos dourados. O soneto Vila Rica é um exemplo disso. É ouro puro, do início ao fim, mas dois de seus versos, tomados isoladamente, são ainda mais ouro que todos os outros. "O ângelus plange ao longe em doloroso dobre" é um. O outro é: "Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove."

domingo, 3 de julho de 2011

Abstêmio

Como um bêbedo em recuperação, ele, desde o rompimento, conta os dias, as horas e os minutos em que não vê a amada e nem com ela se comunica. Sonha com ela às vezes e, quando acorda, recrimina-se pela alegria que o sonho lhe dá e imediatamente se recompõe em sua obstinação. Durante o dia, quando anda pelo centro da cidade, muda de calçada ora aqui, ora ali, para se esquivar de certas lembranças, e, em casa, não passa nunca a menos de um metro de determinada gaveta. O plano vai dando certo já há dois dias, três horas e catorze minutos.

Novamente

Num longo dia de inverno,
Sentindo-te muito triste,
Saudoso de um amor terno,
O teu coração abriste.

E nesse instante pensaste
Que novamente podias
Desfrutar qual desfrutaste
O doce fruto dos dias.

E, alheio às velhas lembranças
E às finadas esperanças,
Tu te abriste para as novas.

Mas também estas murcharam
E tuas mãos as levaram,
Como as outras, para as covas.

Olhando para o céu

Deitada de costas na grama, ela olha para as estrelas e a lua, tentando esquecer-se do homem que arfa sobre ela e que em cada estocada lhe repete, boca sobre boca, uma palavra com a qual imagina excitá-la e que ela procura não ouvir: puta, puta, puta, puta. Ela continua olhando para o céu e, como em outras recentes noites no parque, nota que nem a lua nem as estrelas parecem as mesmas de sua infância.

Maternidade

Com a brisa chegou uma canção morna, macia, maliciosa, que faz a velha árvore suspirar, lembrando seus primeiros dias no parque, e seus frutos, como tetas, se põem a doer prazerosamente.

Paisagem sem nu

Buscando aquela que ontem ali se banhou, o vento sopra uma carícia impaciente, que arrepia a pele do lago.

sábado, 2 de julho de 2011

O enforcado

Dizem que no último inverno, num galho daquela árvore, um rapaz pelo amor rejeitado se enforcou. Às vezes alguém ainda pergunta ao zelador do parque se é verdade e visitantes mais minuciosos desejam saber qual foi o galho no qual o jovem se matou. Para esses, o zelador diz sempre: "É aquele ali, aquele onde o sol nunca brilha e onde nenhum passarinho pousa."

Teu tempo

Que sobre o tempo vivido,
E os sonhos e as esperanças,
E as más e as boas lembranças
Se teça a sombra do olvido.

E que ao teu cansado ouvido
Não cheguem jamais as danças,
Os cantos, as contradanças
Daquele tempo perdido.

Viveste, mas teu momento
Agora é o do esquecimento,
Do nunca mais, do jamais.

Rolaram já tuas águas,
Trouxeram-te risos, mágoas,
Que morram todas no cais.

Paleta

Só para vos entreterdes
Dar-vos eu vou os mais belos
Matizes, os amarelos,
Azuis, vermelhos e verdes.

O casarão

As duas garotas de uniforme escolar piscaram para ele na saída do metrô, uma delas disse hoje eu estou muito doida, até velho vai, a outra riu, ondulando as nádegas perversas, e com provocações fizeram com que as acompanhasse até um casarão que destoava da paisagem, onde, ao passar pelo portão, ele imaginou que tivesse se transformado num personagem de Nelson Rodrigues, enquanto de dentro vinham as lamúrias agudas de um tango e a gargalhada rouca da cafetina.

Qual brisa

Qual brisa tu me chegaste,
Alegre e morna monção,
E meu barco bafejaste
Com o hálito do verão.

E, brisa, foste canção,
E com teus sons me embalaste
E foste consolação
E, sendo, me consolaste.

Como fui feliz então.
Mas logo te transformaste
De vento brando em tufão

E minhas velas quebraste
E sem comiseração
Meu barco despedaçaste.

Veneno

Tu sabes bem que me odeias
Quando, com tuas mãos falsas,
Veneno pões e disfarças,
Dizendo que amor semeias.

Lógica

Este amor que hoje nos dá
De frutos plena fartura
É o que amanhã nos dará
As flores e a sepultura.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Os que

Que sejam sempre malditos
Os que do amor desfizeram
E aqueles todos que deram
Os ditos como não ditos.

Os que aprenderam os ritos
E que fiéis se disseram
E logo após já não eram
E escarneceram dos mitos.

E malditos os que juram
E no fim sempre perjuram
Porque lhes apraz negar.

E os que maltratam e ferem
Porque do amor o que querem
É o prazer de desamar.

Jardim

Sumiram as esperanças.
Levou-as hoje o aguaceiro
E em seu lugar, no canteiro,
Resistem só as lembranças.

Aviso

Quando o sol começa a se cansar, a árvore avisa aos passarinhos principiantes e ao verde de suas folhas que é hora de se prepararem para a noite.

Natureza-morta

Os dois meninos têm cinco anos. O filho da dona da casa nunca olha para as frutas na tela. O da empregada, triste e raquítico, quando a mãe o leva para o trabalho as reverencia com um olhar que ao pintor decerto agradaria ver.

Cupido

Gostaram do Amor, gracioso com seu arco e suas setas, e ora um, ora o outro, tinham-no sempre nas mãos ou no colo. E o afagavam, e o aqueciam, como se fosse um passarinho jovem. Mas logo o hábito impôs sua monotonia e hoje quem quiser ver o Amor precisará procurá-lo na sala, cercado de bibelôs: um moinho de pás azuis, uma bailarina gasta pelo tempo, um cachorro de olhar filosófico.

Um pouco mais

Quando quiseres saber
Se mais do que o dia inteiro
Choro ainda por te perder,
Pergunta ao meu travesseiro.

Falsos, hipócritas, perversos

Difícil é imaginar
Que um dia foram amantes,
Que aspiraram o mesmo ar
E se entregaram arfantes.

Bem antes de o amor murchar
Viviam-no já hesitantes
E punham-se a desejar
Que se acabasse o quanto antes.

Fingiram, sim, todo o tempo -
Ele com seus falsos versos,
Ela com ardis diversos -

E ao primeiro contratempo
O amor na cova enterraram
Como sempre planejaram.