terça-feira, 16 de abril de 2013

A pomba

Resistirá ainda mais uns dias, não para enganar os outros. Os outros não são tolos como ele. Já devem estar começando a perceber. Resistirá para enganar-se. Fingirá ainda ser forte. Tentará empertigar-se, ao menos enquanto estiver na rua. Viu uma vez uma pomba doente ser atacada por outras, que temiam ser consideradas fracas como ela. Ele tentará ainda, por pouco tempo que seja, sentir-se um homem normal. Alguns, mais velhos que ele, conseguem, ou pelo menos sabem mentir. Ele se sente mal quando mente. Resistirá um pouco mais, andará ainda pelas ruas, para guardar as cores e os sons na memória. Depois se entregará, e será de uma vez. Não sairá mais. Talvez sair hoje já seja uma temeridade. Não quer ser como a pomba que as outras atacaram e bicaram até que ela morresse. Não tem medo da morte, ou imagina não ter. Só não pretende conceder aos outros, que tantas vezes já o venceram, a satisfação de dar-lhe o golpe final.

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