terça-feira, 16 de abril de 2013

É tarde já...

... para dizer bom dia. É tarde também para dizer boa tarde, para desejar boa noite. Quando abri a janela, não vi ninguém. Todos tinham partido de madrugada. Resolveram enfim deixar-me sozinho. Eu acabrunhava a alegria deles e eles resolveram levá-la para bem longe de mim. Não chegarei nem a ouvir seus cantos, o vibrante som dos seus risos. Temem que, mesmo distante, eu possa contaminá-los com meu fel. Jamais voltarão e ninguém me virá dar notícia das maravilhosas árvores que terão plantado lá onde estão, dos frutos banhados pelo ouro do sol, dos trigais imensos penteados pela brisa. Não tive nem o prazer de ser escorraçado. Largaram-me aqui, a mim e a esta tristeza que é como uma praga. Hei de fruí-la até o fim, de desfrutá-la até o dia em que ela me matar. Presumo que, quando souberem da minha morte, eles virão queimar meu corpo, minhas roupas e tudo que houver tido contato comigo, até mesmo este caderno em que, como se fossem triunfos, eu anoto estas reminiscências de um homem que não deveria ter nascido. Talvez possa depois voltar também a alegria, esse sentimento que, por ter sido negado a mim, eu tanto odiei nos outros.

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