quinta-feira, 29 de agosto de 2013
A literatura e os concursos
A literatura, com suas bienais, feiras e eventos, está me fazendo lembrar de uma loja, talvez a mais famosa de todas em São Paulo há algumas décadas, cujo lema era: "Assumpção, uma loja em cada bairro para melhor servir você." Todo dia há prêmios a entregar, palestras a ouvir, temas a debater. As editoras patrocinam viagens de barco por lugares "paratisíacos" e trazem tantas celebridades ao país que já há receio de que o estoque venha a se extinguir. Isso vem já de uns trinta anos. No entanto, Dalton Trevisan continua a ser o nosso único escritor "atual" que se pode citar entre os melhores do mundo. Dalton escreve já há cinquenta anos e não surgiu nenhum outro que se possa comparar a ele. Nunca a literatura foi tão social (nesse sentido que interessa mais a Mônica Bergamo e a Sônia Racy que a Sérgio Augusto). A boa literatura dificilmente é produzida por patrocinados. Na aparência, todas essas iniciativas merecem aplauso, mas, ao contrário de esportes olímpicos, não se forja um Nobel com leis e incentivos. O que diariamente se apresenta como realização cultural tem sido, nos bastidores e até publicamente, caracterizado como o que realmente é: um combate entre grandes editoras e grandes agentes literários. Já fiz parte, embora minimamente, dessa engrenagem, e, se disser que boa parte deste comentário se deve talvez a não integrá-la mais, provavelmente estarei certo. Não acredito, porém, que isso o invalide. O que sempre ocorreu na música vem ocorrendo na literatura: maquinações, lobbies, simonia. E os novatos só têm chance de mostrar seu trabalho se dançarem a mesma dança. Há uns dois anos, vi, numa dessas famosas colunas sociais, a enorme foto de um jovem com totais aptidões para fazer carreira como modelo. Era, no entanto, escritor e, segundo a coluna, estava terminando seu primeiro livro, que já despertara a atenção de um diretor que pretendia adaptá-lo para o cinema. Esse era um jovem "especial", já se vê. Não sei se terminou o livro. Se o terminou, deverá merecer, por direito de proporcionalidade, uma foto no mínimo três vezes maior, o que deve equivaler a uma página inteira. Osman Lins já falava disso tudo, do comércio em que se transformava a literatura, quarenta anos atrás. Era odiado pelos editores em geral. Quantos jovens mandam, esperançosos, seus originais a esses concursos. A comissão julgadora, sempre composta de cinco ou seis ocupadíssimos escritores, é encarregada de analisar trinta mil, quarenta mil textos. Isso quer dizer que a esses cinco ou seis escritores devem chegar vinte ou trinta originais, selecionados sabe-se lá por quem e segundo sabe-se lá quais critérios. Uma semana, um mês antes, os jornais destacam os favoritos (acabando com o anonimato exigido). Não participo de concursos. Tomei parte de dois, há décadas. Quando se instituiu a norma de não devolver originais aos autores, ficou evidente o que um amigo meu me dissera. Mandando cinco cópias a um desses concursos, ele, ao recebê-las de volta, viu que nenhuma delas havia sido folheada. Ele tinha, em todas elas, costurado com linha finíssima algumas páginas. Os originais voltaram com a costura, atestando o pudor dos julgadores. Bem, hora de terminar. Descontem o que há de despeito meu e intolerância e talvez acabe sobrando algo que sirva como motivo de reflexão. Minha pureza talvez seja a daqueles a quem não se deu a oportunidade de ser senão puro. Falo de modo genérico e não me importaria nem um pouco se Lucia Riff ou Luciana Villas-Boas se interessassem em gerir minha carreira, se bem que, pelo andar da carruagem, talvez eu só possa prometer-lhes livros escritos no Além.
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