segunda-feira, 11 de novembro de 2013

"Camiseta branca de algodão", de Margaret Atwood

"Camiseta branca de algodão: uma roupa então inocente.
Veio até nós da guerra, mas não sabíamos disso.
Para nós era a vestimenta do verão, reluzindo de brancura
porque tinha sido lavada com sangue, mas não sabíamos disso,
e na manga cortada, enrolada bem firme
como um punho de camisa, metiam-se os cigarros,
brancos também dentro do maço, também inocentes,
como eram calcinhas brancas, conversíveis brancos,
cortes escovinha de um louro quase branco,
e os dentes muito, muito brancos dos sorrisos alegres
dos rapazes.

A ignorância deixa todas as coisas limpas.
Nosso conhecimento nos oprime.
Queremos que ele suma

para que possamos vestir nossas camisetas brancas
e dirigir mais uma vez ao raiar do dia
por ruas cujos nomes nunca conseguimos
pronunciar, mas não importava,
sobre o vidro quebrado e os tijolos, passando
por rostos desconfiados e empobrecidos,
os sorrisos largos cheios de dentes pretos,
os cães famintos e as crianças feito gravetos
e as trouxas moles de roupas
que outrora continham homens,
desfrutando do sopro do ar da manhã
em nossas peles limpas e bronzeadas,
e as flores tão brancas que seguramos nos punhos
acreditando - ainda - que são flores de paz."

(Do livro A porta, tradução de Adriana Lisboa, publicado pela Rocco.)

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