"Nos penosos dias que precederam o início das aulas, sofri uma de minhas maiores dores. Eu levara ao bosque uma paletinha de lata, que meu irmão comprara na loja de ferragens de nosso lugarejo. Tinha umas pastilhas de aquarela que para mim eram um tesouro, com as quais eu copiava as ilustrações dos calendários. Lembro-me de uma troica na neve de uma Rússia longínqua e misteriosa.
Perguntei como chegar ao famoso bosque de La Plata e para lá rumei com as aquarelas, um frasco de água, um par de pincéis e um caderno de folhas brancas. Sentei na grama entre os enormes eucaliptos e comecei a pintar um daqueles troncos descascados, com seus cambiantes tons de verdes, ocres e marrons, imbricados de um modo que me comovia. Tudo era plácido naquela manhã e, pelo poder da beleza, eu esquecera minha melancolia. Súbito ocorreu um cataclismo: eu tinha menos de doze anos e estava sozinho, em uma cidade desconhecida, quando de repente apareceu um grupo de marmanjos, de uns quinze anos, que, rindo de mim, arrancaram-me a paleta, pisotearam as humildes pastilhas de aquarela, quebraram meus pincéis e atiraram longe o vidrinho com água; rindo, até que foram embora. Durante um tempo que me pareceu infinito, eu permaneci sentado na grama, enquanto minhas lágrimas caíam. Depois consegui me levantar e comecei a voltar lentamente para a pensão, mas me perdi e tive de perguntar várias vezes onde ficava minha rua.
Quando por fim cheguei, entrei em meu quartinho e permaneci o dia inteiro na cama. Tiritava como quem tem febre, e talvez tivesse."
(Do livro de memórias Antes do fim, tradução de Sérgio Molina, publicado pela Companhias das Letras.)
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