sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
No jornal (Major Quedinho) - 37 - A calandra
O trote mais comum pelo qual passaram os revisores da minha época era receberem a incumbência de buscar a calandra na tipografia. Era algo que envolvia uma espécie de solenidade. O chefe da revisão levava pelo menos dez minutos para preparar um bilhete em que pedia respeitosamente ao chefe da tipografia a gentileza de entregar ao portador (a vítima) a calandra, sob o pretexto de ser necessário e urgente seu uso na correção de provas. Depois de redigido o bilhete (pomposamente chamado de memorando), lá se ia o foca para cumprir sua missão, orgulhoso por ter sido designado para uma tarefa revestida de um ritual que, iniciado na revisão, continuava na tipografia, cujo chefe, ao receber o papel, olhava desconfiado para o revisor: "Você é novo no jornal, não é?" O revisor dizia que sim, mas que, se houvesse alguma dúvida, era só ligar para o chefe da revisão. O chefe da tipografia consultava o memorando, objetava que ali não havia referência a nenhum nome, constando apenas a palavra "portador", e ia alongando a coisa, até que fazia uma série de perguntas ao novato, transcrevia os dados num bloquinho e só então revelava disposição de resolver o assunto. Perguntava, em voz bem alta, se a calandra estava disponível e, depois de fazer uma consulta entre quatro ou cinco tipógrafos, concluía que, como deferência ao chefe da revisão, a calandra poderia, sim, ser liberada, embora por pouco tempo. Então o chefe da tipografia gritava o nome de um funcionário e avisava que ele deveria entregar a calandra. "Pode ir falar com aquele ali", dizia ao rapaz. Ao chegar ao funcionário apontado, o novato, se fosse um pouquinho perspicaz, já teria percebido que o trabalho na tipografia havia parado para acompanhar seus passos. O funcionário conferia novamente o bilhete e perguntava se ele mesmo se encarregaria de levar a calandra até a revisão. O foca dizia que para aquilo mesmo é que estava ali. O funcionário então, gentil, lhe dizia: "Pode pegar. A calandra é toda sua." E mostrava uma colossal máquina, que se destinava a alisar papel, desejando boa sorte ao rapaz. Nesse ponto, palmas ecoavam no imenso espaço ocupado pela tipografia, acompanhadas pelos gritos de incentivo: "Leva, leva, leva!" Recepção igual, e às vezes até mais festiva, esperava pelo novato na revisão, quando ele aparecia cheio de vergonha e de mãos vazias. Parece que na redação também se aplicava esse trote, do qual me livrei porque havia sido devidamente alertado pelo revisor Oswaldo de Camargo, meu padrinho no jornal.
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