segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
No jornal (Major Quedinho) - 45 - O dr. Montes
Eu disse, em uma das notas que venho escrevendo sobre o jornal, que os revisores ganhavam bem. Nosso problema era que deixávamos tudo em bares e dancings, e ainda ficávamos devendo. Quando a situação se tornava crítica, eu, que fazia parte desse time de perdulários noturnos, criava coragem - a expressão era bem essa - e ia à diretoria pedir um empréstimo. Quem tratava desse assunto, e de mais uma centena de outros, era o dr. José Maria Homem de Montes, conhecido por sua severidade. Eu me preparava bem para essas ocasiões. Escrevia uma carta, na qual relatava falsos infortúnios - doenças familiares, furtos sofridos, livros imprescindíveis ao meu curso de direito, acidentes que destruíam de uma só vez todos os aparelhos elétricos da casa - e pedia a compreensão dele. A carta era entregue à secretária, dona Anita, que prometia entregá-la e chamar-me no dia em que houvesse uma resposta. Quando esse dia chegava, eu invariavelmente me arrependia de ter feito o pedido. Enfrentar o dr. Montes não era fácil. Ele parecia ler as mentiras nos meus olhos e no meu nervosismo. Adivinhava que, se me liberassse o empréstimo, eu o gastaria em coisas nada nobres, embora muito agradáveis. É estranho dizer isso nesta altura do relato, é quase um anticlímax, mas ele nunca me negou um pedido. Mas me passava um sabão todas as vezes, como se fosse um pai educando um filho desencaminhado. Quando eu saía com a autorização, sentia-me um vitorioso. Tinha dinheiro para muitas noitadas e o pagaria em três vezes, sem juro. Esses meus repetidos sucessos animaram certa ocasião um companheiro de noitadas alcoólicas, Mário de Melo, Melinho, que escreveu também sua carta, entregou-a no mesmo dia em que deixei a minha com a secretária e, na tarde em que, cada um de nós no seu horário, fomos chamados para saber a resposta, ele resolveu também entrar comigo. Quando a secretária perguntou, em tom de reprimenda, se íamos entrar juntos, já tínhamos entrado. Pela expressão do dr. Montes, aquilo era uma surpresa também para ele. Estava mais severo do que nunca. Negou, rejeitou, recusou asperamente. A associação com Mário de Melo parecia que ia provocar minha primeira derrota. O dr. Montes, depois de uma espinafração e tanto, calou-se e não olhou mais para nós. Era o sinal para que saíssemos. Nesse instante, Mário de Melo, como se fosse um menino chorão, perguntou: "Então não vai dar, dr. Montes? Nem um dinheirinho? Nem um pouquinho?" O dr. Montes deu um sorriso, o único que me lembro de ter visto e seu rosto em tantos anos, e liberou nossos empréstimos.
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