terça-feira, 16 de abril de 2013
Horas noturnas
Os ruídos do colégio cessaram. A alegria juvenil, talvez a única autêntica e merecida, foi embora. É vazia esta rua, sem o alarido dos garotos e das garotas, sem o entusiasmo desafinado com que às dez e meia ensaiam o Hino Nacional. Quando começam a chegar os carros e a levá-los, baixa sobre mim uma melancolia aguda. Todas as horas do dia foram tristes, as da noite serão piores. Logo se ouvirá apenas o apito do guarda-noturno. O que ele protegerá que valha a pena proteger? No meu caso, um carro que já nem uso e uma ameixeira que não dá ameixas - e que, quando se faz ouvir, justamente à noite, ao cessarem os outros sons, canta canções que parecem compostas pelas virgens suicidas de Jeffrey Eugenides. Não tenho um cachorro, nem um gato. Em minhas gavetas talvez se encontrem algumas apólices de companhias já extintas e, quem sabe, contas antigas não da Eletropaulo, mas da Light. Tudo sem valor. Meu tempo de viver foi outro. Não há nada que eu faça ou possa vir a fazer. Tudo que se refere a mim ou já foi feito ou jamais será. Minha pele é igual às amareladas fotos tiradas no velho Jardim da Luz, cem anos atrás. Posso falar do prédio Martinelli e da Coca-Cola gigantesca que girava na noite paulistana, quando os luminosos eram uma novidade. Posso falar talvez dos Três Porquinhos, na São João. Sou uma múmia bem conservada e, quando querem me consolar ou mostrar boa educação, dizem invejar a sabedoria que devo ter. Trocaria tudo por um pouquinho de habilidade para lidar com a Internet. Nada sei que possa ter utilidade para alguém. De qualquer forma, se acharem que eu posso dizer algo que se aproveite, peço que se apressem, por favor. Estou cansado e minha memória é fraca. Se dependesse de minha vontade, não saberia mais o que sou nem como me chamo.
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