segunda-feira, 30 de setembro de 2013
Escrever
Escrever é triste. Escrever é sempre um pedido de atenção, de aplauso ou de socorro. Tão fácil ver isso. Olhem para mim, dizemos, e, mesmo que só um leitor olhe, queremos conquistá-lo. Usamos o melhor de nosso repertório, desencavamos advérbios astutos, adjetivos traiçoeiros. O leitor solitário há de cair na armadilha. Apresentamos nosso produto como aqueles vendedores de loja que se agarram a nós assim que entramos. Dizemos que o nosso texto tem brilhos que existem só na nossa imaginação e recorremos ao abjeto truque de sugerir que, amanhã, talvez não haja mais nenhum texto nosso à disposição. Talvez nem nós mesmos estejamos mais aqui. E tossimos tosses de tísico e falamos de chapas preocupantes. Queremos que nos amem, ainda que seja só aquele leitor único diante do qual nos ajoelharíamos se isso adiantasse. Escrever é fazer o leitor anotar nosso número, ainda que saibamos que ele jogará o papel ali adiante. Escrever é plantar a esperança de que, de madrugada, o telefone tocando no apartamento vizinho bem pode ser aquele nosso leitor que se enganou ao anotar um dos algarismos. Escrever é sonhar que no nosso velório apareça um tipo muito distinto e desconhecido de todos, que chorará sobriamente e se retirará como um cavalheiro, debaixo de murmúrios: "É o leitor."
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