terça-feira, 25 de setembro de 2012
O dia seguinte
Que bom o amor não ter parado na recepção do motel de luzes bizarras, não ter mostrado a identidade, não ter aberto o sorriso de falsa segurança. Que bom o amor não haver conhecido o torpe requinte da cama redonda, dos vídeos incitadores, das duchas propiciatórias. Que bom o amor ter sido poupado da inglória saída, dos olhos que não mais se procuram, das mútuas e mentirosas avaliações de desempenho, das congratulações (não, você, sim, é que foi bárbaro), dos beijinhos de despedida e da promessa de que haverá outras vezes, sim, ah, muitas, claro, claro. Que bom é alguém poder continuar tolo, ultrapassado, risível, bobão, e olhar-se no espelho de manhã sem ver no pescoço o chupão que a moderna cortesia sexual manda deixar, sem sentir as costas unhadas e outras das tantas marcas que dizem ser agora indispensáveis ao amor. Que bom é alguém poder tomar um café, em vez do resto do uísque da garrafa, e que bom escancarar a janela sem o receio de que o sol veja no quarto dois corpos cansados e desiludidos, dois rostos tristes que no entanto teimam em sorrir.
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