"Ora, essa mulherzinha está muito insatisfeita comigo, sempre tem algo a censurar em mim, diante dela estou sempre errado e irrito-a a cada passo; se fosse possível dividir a vida em partes mínimas e cada partícula pudesse ser julgada em separado, certamente qualquer pedacinho da minha vida seria um aborrecimento para ela. Já me perguntei várias vezes por que a exaspero tanto; pode ser que tudo em mim contrarie o seu sentido de beleza, o seu sentimento de justiça, os seus hábitos, as suas tradições, as suas esperanças; existem naturezas que se contradizem desse modo, mas por que ela sofre tanto com isso? Não há nenhuma relação entre nós que pudesse forçá-la a sofrer por minha causa. Ela só teria que se decidir a me ver como alguém completamente estranho, o que aliás sou: não me oporia a essa decisão, mas a receberia muito bem; ela teria apenas que se decidir a esquecer da minha existência, que eu por sinal nunca impus ou imporia a ela - e todo o sofrimento sem dúvida acabaria."
(Do conto "Uma mulherzinha", do livro Um artista da fome, tradução de Modesto Carone, publicado pela Editora Brasiliense.)
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