sexta-feira, 20 de setembro de 2013
O Registro dos Amores
Um pesquisador quis consultar o Registro dos Amores. Teve dificuldade para encontrá-lo. Localizou-o, afinal, depois de buscá-lo em universidades e bibliotecas de todo o mundo, em todas recebido com um sorriso de estranheza: amores? Estava num vilarejo de nome dúbio, numa fronteira entre dois países que também haviam mudado de nome dezenas de vezes séculos adentro. Era um livro solene ainda, apesar dos castigos impostos pelo tempo e pelas traças. Estava numa loja bizarra, que exibia toda sorte de velharias. O dono (ou encarregado) tinha uma barba vasta, que bem poderia varrer o chão, imundo. Ele estranhou o interesse do pesquisador e disse que o último interessado em ver o livro estivera ali cem anos antes. O pesquisador não quis contestar a informação, porque o velho tinha traços de insanidade mais do que visíveis. Pediu para ver o livro. O ancião lhe disse que lhe permitiria fazer só uma consulta. O livro não estava à venda. Era, por sinal, o único objeto na loja nessas condições. Criara afeição a ele porque à noite (disse isso como se contasse um fato trivial) do livro saía uma canção muito triste e muito terna que devia, segundo ele, ser a mais linda do mundo. Pegou o livro com dificuldade e foi à última página, mostrando-a ao pesquisador. Contou que o outro pesquisador quisera vê-la antes das demais. "É o último registro que consta, naturalmente." O pesquisador olhou os nomes, que de repente receberam um brilho de sol infiltrado misteriosamente: Dante e Beatriz.
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