quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
No jornal (Major Quedinho) - 29 - Luiz Martins
Por muitos anos Luiz Martins assinou no Estado uma crônica com as iniciais LM. Ele era um nome consagradíssimo. Participara de todos os acontecimentos artísticos mais importantes do início do século XX ou os acompanhara. Conhecia tudo que se referisse à arte em geral. E era escritor premiadíssimo. Um dia, seu texto caiu nas mãos de um revisor desses que, em qualquer época, têm na gramática a mais sagrada de todas as bíblias, considerando suas normas, todas, como artigos de fé. Uma dessas normas era a de jamais, sob pena de cometer heresia, começar uma frase com pronome oblíquo. A crônica de LM se iniciava com um freguês pedindo ao garçom, num bar: "Me dê um uísque, por favor." O revisor, obviamente, alterou para "dê-me um uísque, por favor" e, entusiasmado por prestar tão importante serviço gramatical logo na primeira linha, continuou em sua heroica cruzada até o fim, transformando o bate-papo do freguês com o garçom numa conversa que, pelo português castiço, mais parecia um diálogo entre o padre Antônio Vieira e Camões. Ao ler o resultado no jornal impresso, Luiz Martins, como protesto, avisou na redação que não só não escreveria sua crônica naquele dia como não a escreveria nunca mais. Foi preciso o dr. Júlio de Mesquita Filho acalmá-lo. O revisor levou do chefe Lima Neto o devido pito, que deveria servir como lição para jamais estropiar com arcaísmos e classicismos textos coloquiais. Parece que a lição não foi assimilada. Anos depois, trabalhando na Livraria Martins Editora, ele transformou a linguagem de um romance de Jorge Amado, protagonizado por plantadores de cacau, em uma algaravia que soava como a obra de um português do século XVIII baseada numa história de fidalgos. Na prova final alguém percebeu a coisa e desfez a coautoria.
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