segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Bom dia, afinal

Que bom acordar assim e ver o sol como os outros o veem, não como uma oferenda que se gostaria de enviar à pessoa amada. Que alívio não ter que desejar bom dia a ninguém (e quanto tempo o fizemos, nós para quem os dias foram sempre cruéis!). Que bênção não sentir logo cedo o amor pesando em nós como o cadáver insepulto de um destino. Que maravilhoso viver enfim egoistamente, sem querer a todo instante dividir e compartilhar. Que delicioso ler no jornal a notícia sobre aquele artista e não pensar imediatamente que alguém a leria com gosto. Que fantástico não mandar a notícia e torcer para que ela não chegue por nenhum outro meio a quem apreciaria tanto lê-la. Ah, que boa sensação é poder ignorar tantas Kahlos, tantos Boteros, tantos Giacomettis. Que triste, também, é tudo isso, é verdade, e que doloroso é não pensar mais em flores, em poemas, em tratamentos afetivos, em hipocorísticos, que perda é não se dizer mais ah, minha querida, ah, minha garota, ah, minha adorada. É triste, sim, é muito triste. Porém tudo se compensa à noite, quando nos deitamos sossegadamente e dormimos, sabendo que outro agora faz o papel de uivar pela rua seu amor não correspondido e espera, no frio, na chuva, no escuro, que se abra ao menos um centímetro de janela no casarão, enquanto todos os cães de todos os quarteirões denunciam ferozmente a presença do intruso, agora que já haviam se acostumado às interjeições aflitas do anterior. Mudam os supliciados, mas o carrasco ainda é o mesmo.

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