quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
O azul absoluto
Era um desses azuis aguados, tímidos, que quase se desculpam por estar no fundo de telas em que, no primeiro plano, aparecem anjinhos travessos. Era um azul de céu matinal sobre o mar, um azul infantil de aquarela, um azul de mansa azuleza. Era assim. Cansou-se talvez de ser coadjuvante, e foi se carregando de um tom mais áspero. Assomou à frente das telas, tornou carrancudas as manhãs, transformou-se em um azul adulto. Para que não duvidassem do seu novo estado, passou em certas tardes a abrigar relâmpagos que faiscavam antes do estrondo dos trovões. Mas era um azul ainda azul, se bem que sombrio. Ninguém, apontando o dedo para ele, lhe daria outro nome, embora um esnobe tenha chegado a chamá-lo de azul-ferrete. Então ele se carregou ainda mais, no limite. Sente-se gloriosamente azul agora, mas, quando surge no céu, os passarinhos voam aflitos para se ocultar nas árvores e as mulheres correm para fechar portas e janelas, enquanto os gatos se põem a miar lancinantemente, como se estivessem possuídos por Belzebu.
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