quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Paranoia

Me apontam na rua, zombam de mim, atiram-me chacotas ao rosto. Todos os cães da cidade, instruídos pelos donos, me perseguem assim que saio de casa. Se corro, me alcançam. Se paro, erguem a pata, me mijam nas pernas e depois todos descarregam sobre as duas o seu cio. Meus dias são todos iguais (dei minha palavra de estar disponível das oito às oito, diariamente) e já quase me habituei: a desgraça, quando vira rotina, chega a ser tediosa. Talvez algum dia se cansem de se divertir comigo e aos cães não apeteçam mais minhas pernas (pobres cachorras rejeitadas, as da nossa cidade). Ontem um forasteiro me viu fugindo deles e perguntou o que era aquilo. Devo reconhecer que a resposta que lhe deram foi honesta: "Aquele ali se declarou superior a nós e disse que o Sol girava em torno dele. Até hoje não conseguiu provar isso." O visitante riu: "Vocês fazem bem de tratar dele assim. Isso é um perigo, pode se espalhar. Lá na minha cidade nós temos cinco desses e ninguém toma uma providência. O mais abusado deles diz que é Deus. E os outros quatro acreditam." Então foi o homem daqui da cidade que riu: "Se quiser, pode mandar os cinco pra cá. Nós não estamos achando mais graça nesse aí. E, sabe, a primavera logo chega, e os nossos cachorros já estão enjoando dele, também."

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