sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
No jornal (Major Quedinho) - 14 - Rafael Sânzio
Polímata (segundo o dicionário, aquele que estuda ou sabe muitas ciências) seria uma boa definição de Rafael Sânzio de Azevedo, se lhe fizesse inteira justiça. Ele entrou na revisão logo depois de mim. Num ambiente em que o nível médio de conhecimento era alto (o jornal era reconhecido como o que maior atenção dava à correção de linguagem), ele era notável: poeta, paleontólogo, desenhista, conhecedor profundo de música (daí seu apelido de Violeiro) eram alguns dos seus inumeráveis atributos. E era também um desses tipos que, pela simpatia, ficam sempre na memória. Não o vejo há uns quarenta anos (ele voltou para sua querida Fortaleza, tornou-se professor da Universidade Federal do Ceará e hoje pertence à Academia Cearense de Letras). Mas como o vejo ainda nas nossas noites de snooker (péssimos jogadores, ele e eu)! Uma dessas noites é, no sentido da palavra, memorável. As tacadas se sucederam pela madrugada toda, na rua Formosa, acompanhadas de muita cerveja, e já eram umas duas da tarde quando ele, eu e mais dois revisores fomos parar num gramado da ladeira da Memória. Rafael, pouco habituado ao álcool, deitou-se e dormiu instantaneamente. Os outros dois e eu nos sentamos ali também, para curar a bebedeira. Rafael vestia-se sempre todo de verde (calça, paletó, chapéu e, acredito, até meias), o que lhe valera o apelido adicional de Grilo. Para se proteger do sol, ele tinha enfiado o chapéu no rosto. Vimos um cachorro, bem paulistano e desrespeitoso, chegar, cheirar sua roupa, levantar a pata e, de um jato, dar um tom de amarelo ao chapéu. Rafael não acordou, embora nós - e mais os candidatos a trabalho que se aglomeravam no sindicato dos garçons, bem em frente - gargalhássemos como se cada um de nós dispusesse de quatro pulmões.
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