sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

No jornal (Major Quedinho) - 15 - Oswaldo de Camargo

Oswaldo de Camargo era acima de tudo um poeta e como todo poeta, ao menos naquele tempo, nefelibata, aéreo, avoado. Numa noite da década de 1960, no ponto mais crítico do terror e da repressão, houve um alerta de que tinha sido colocada uma bomba no jornal e, como já explodira uma ali algum tempo antes, os funcionários todos receberam a ordem de sair do prédio. A portaria foi tomada por soldados que, de metralhadora empunhada, estavam prontos para agir caso terroristas resolvessem tentar uma invasão. O prédio estava cercado por viaturas e por várias dezenas de pessoas, isoladas por um cordão, que aguardavam o desfecho daquilo. Eu estava entre essas pessoas quando vi Oswaldo, carregado como sempre de livros, passar por mim, caminhando apressadamente para a porta. Não tive tempo de lhe dizer nada. Eu o chamei, ainda, mas ele já estava diante da grande porta (trancada) e, um instante depois, ouvi o fragor de vidros espatifados e vi o tenso rosto dos soldados, com as metralhadoras apontadas para ele. Ele recuou, com as mãos sangrando e murmurando as duas palavras que costumava usar para afastar o Demônio: "Cruz, Canhoto!" Sumiu no meio da multidão e só voltou uma hora depois, quando tudo já estava sob controle e calmo. Perguntei por onde ele andara e  ele, como se fizesse aquilo todo dia, disse que tinha ido fazer curativos num pronto-socorro. Nada mais que isso.

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