quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Uma parte de São Paulo
Sou uma parte desta cidade. Sou uma lasca de cimento, um farelo de tijolo, o entulho de um palacete antigo. Sou uma saliva de mendigo, o pingo da urina de um bêbado, um papel de bala, um maço de cigarros com uma daquelas fotos de pulmões cancerosos. Deus! E eu quis ser poeta. Nada aprendi com Álvares de Azevedo e Fagundes Varela. Meus ares de grandeza ficaram na adolescência. Felizmente minha mãe há muito tempo morreu. Ela me previa tão grande futuro. Se me visse hoje... Foi para isso que meus irmãos trabalharam? Eu me embriaguei de literatura e a maior honra que consegui com ela foi a de lamber a barra da saia de damas emproadas. Lembro-me ainda de seus leques, de como elas os agitavam para renovar o ar do ambiente em que eu tivesse estado. Lembro-me do desdém de seus gestos quando eu me aproximava. Não há mulheres mais cruéis que as mulheres paulistanas.
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