sexta-feira, 14 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (113) -- Chopin
Toda vez que punha seu Chopin para tocar, alguém na vizinhança feria o ar com o som de um sambão desembestado ou de um frenético e desconexo rap. Ele saía para o quintal e, sem conseguir identificar de onde vinha a ofensa, xingava para o alto e, como se fosse um pequeno aluno na aula de geografia, apontava os braços para o norte, para o sul, para leste, para oeste. Foi assim durante meses. Punha Chopin, e sua casa tremia instantaneamente com a invasão dos timbres bárbaros. Começou a ouvi-lo baixo, baixinho, e, porque não adiantou nada, tentou ver se, trancado no lavabo ou no banheiro, se livrava da represália. Depois de uma série de inúteis experiências, agora ele sai da cama às três da madrugada, sem que a mulher perceba (passou a incluí-la entre os conspiradores), ajoelha-se diante do aparelho num canto da sala, coloca seu amado Chopin num volume tão débil que parece o zumbido de uma mosca e se deleita até as lágrimas. Seu próximo passo será procurar ouvir Chopin sem ligar o aparelho. Mas ainda se sente despreparado para isso.
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