quinta-feira, 20 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (131) -- Vulcão
Com quinze anos iniciou-se nos mistérios da redondilha maior, aventurou-se pelos decassílabos e pelos alexandrinos, cultuou o soneto comum e o shakespeariano. Dissipou a parte mais preciosa de sua juventude assim, lendo, escrevendo e invocando as musas. Ele as queria clássicas, frias, altivas e enigmáticas, e por isso jamais lhe ocorreu dar atenção às garotas que, tendo sabido do seu labor poético, sonhavam ser incluídas, se não numa chave de ouro, ao menos num refrão de quadrinha. Ele as desdenhou tão ostensivamente que a má recepção à sua primeira coletânea de poemas - uma edição amadora de cinquenta exemplares - foi atribuída por ele às pragas dessas musas juvenis. Não esmoreceu. Continuou lendo, escrevendo e vivendo a poesia com tanta intensidade e empenho que aos quarenta anos seu rosto era encovado como o dos frades que se encerravam em celas frígidas e se submetiam ao cilício e a uma dieta de pão seco e água. Tinha enchido cadernos e mais cadernos de poemas que considerava, entretanto, meros exercícios para a grande obra que enfim se achava apto a realizar. O sinal de que havia chegado a hora lhe veio com a súbita paixão por uma musa que tinha a idade dele e lhe pareceu digna do nome: era fria, recatada, distante e revelava algum conhecimento poético. Durante os meses em que nele ardeu o fogo desse amor, escreveu um livro que o fazia chorar sempre que relia um poema, tamanha era a emoção que havia posto em todos. Ela, sua musa, naturalmente foi a primeira leitora do original. Folheou os cinquenta poemas, bocejou e avaliou: "É bonito." Lançado, o livro fez imediato e grande sucesso, e um crítico, na noite de autógrafos já da segunda edição, disse ao autor que gostaria de conhecer a inspiradora daqueles versos. "Ah, ela não está aqui", desculpou-se o autor. "Ela deve ser um vulcão, estou certo?", perguntou o crítico. "É", concordou o poeta, com um sorriso amargo. "Um vulcão extinto, numa montanha gelada."
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