sexta-feira, 14 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (114) -- A carta
Depois de duas horas de rabiscos, de correções e mudanças, ele começou a passar a limpo, com letra maniacamente cuidadosa, a carta com que pretendia alcançar a reconciliação com sua amada. No meio da transposição, errou uma palavra e tentou consertá-la, mas, insatisfeito com o resultado, se pôs a reescrever tudo, desde as duas palavras iniciais, que lhe atropelaram as batidas do coração: querida Irene. Nessa segunda vez, conseguiu chegar ao fim sem nenhum erro. Releu o texto e achou-o perfeito, mas a lembrança do que lhe tinha dito Irene no dia do rompimento (definitivo, segundo ela) o levou a rasgar a carta. Pegou os pedacinhos para atirá-los ao lixo, na cozinha. Ao voltar à sala notou que um cantinho de papel estava caído no chão. Abaixou-se para apanhá-lo e, ao se levantar, leu a palavra que havia ficado ali: amor. Julgando isso uma incitação do destino para que fosse persistente, em estado quase febril empenhou-se em escrever novamente a carta e, sem precisar de rascunho, o texto lhe saiu fluente e sem rasuras. Quando Irene abrisse o envelope, veria que ele era diferente daqueles que, não sabendo fazer o sujeito passar pelo verbo e chegar ao complemento, só se exprimiam pela internet.
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