quinta-feira, 6 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (85) -- O plano
Tinha decidido tudo, já. Havia pedido as férias para dezembro, e seria num dos seus trinta e um dias que ele executaria o plano. Receberia o salário de novembro, também o de dezembro, adiantado, e o décimo terceiro. Tinha feito as contas com cuidado quase maníaco e sabia que, quando se fosse, pelo menos de mau devedor ninguém o chamaria. Seu pai dizia sempre que um homem podia ser tudo, menos caloteiro. Caloteiros não entravam no céu. Essa lembrança o fez sorrir. Não tinha desfeito ainda o sorriso quando viu, pulando à sua frente, uma bola. Conseguiu pará-la sem dificuldade. Tinha sido um jogador razoável, quando menino. A bola havia escapado de um colégio, e alguns garotos, pendurados no muro, gritaram: "Chuta! Aqui! Chuta!" Ele pegou a bola com a mão e preparou o chute. A bola subiu, ultrapassou o muro e provocou uma saudação de vozes juvenis: "Aí, tio! Boa! Valeu!" Agradeceu e por um momento não pareceu ser o homem que num dos trinta e um dias de dezembro se mataria.
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