sábado, 15 de maio de 2010
Pequenas alegrias urbanas (115) -- A voz
Eram oito horas, ele estava muito atrasado para o trabalho e, quando as pessoas começaram a se empurrar para conseguir um lugarzinho no metrô que havia chegado à estação Sé, ouviu, no meio da multidão, um homem gritar "oi, Vera" e uma voz suavemente rouca responder "estou aqui". Essa voz, a da mulher dizendo as duas prosaicas palavras - "estou aqui" -, entrou-lhe pelos ouvidos, eriçou-lhe a nuca e a espinha e o deixou em tal estado de inquietação e necessidade que, olhando para trás, à procura de quem as havia pronunciado, foi impelido grosseiramente para dentro do vagão, nem lhe ocorrendo revidar, como normalmente faria. Atento ao burburinho, ficou procurando, à direita, à esquerda, em todos os lados, um rosto que pudesse ser digno daquela voz que o havia hipnotizado. Esperava que alguém, a qualquer instante, dissesse outra vez "oi, Vera" e se renovasse o milagre, mas as estações foram passando, incluindo a dele, na qual não desceu, e até o fim da linha não teve de novo a ventura de ouvir a voz rouca. Precisando voltar três estações, chegou tão tarde ao emprego que recebeu uma reprimenda muito mal-humorada do chefe. No dia seguinte, às sete já estava na estação, mas, não ouvindo nenhuma voz sequer parecida com a da manhã anterior, conservou-se lá até as oito, andando sem parar pela plataforma, ansiando, rezando até, pela repetição. Novamente chegou tarde ao escritório, nesse dia e em todos os seguintes, até ser despedido. Mas não deixou de ir todas as manhãs à estação, chegando cada vez mais cedo e indo embora cada vez mais tarde, na febre de ouvir a voz. Está assim há dois meses e os seguranças já não se importam de vê-lo andando de um lado para o outro e chamando alto: "Oi, Vera."
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