No início o rancor
foi muito prazeroso
Escorria como o sumo
de um fruto generoso
e era bebido com uma sofreguidão
que o fazia transbordar da boca
descer pela garganta
e fluir para o peito
como se todo o corpo
merecesse fruir a dádiva
do ressentimento
Era doce o gosto desse sumo
talvez só um pouco menos
que o sumo da vingança
e a memória se comprazia
em reavivar a lembrança
dos ultrajes e dos agravos
Assim foi no início
mas aos poucos
o rancor arrefeceu
na raiz
no caule
na seiva
e hoje o fruto
precisa ser espremido
para dar aos lábios
algumas gotas sem sabor
Seria hora
de deixar a árvore morrer
e permitir que aflorasse a paz
Mas no fundo da memória
há um espinho que lateja
e instiga a carne
e incita a alma
e exige que clamem ainda
por mais um pingo de sumo
pelo menos mais um
para retaliar
alguma ofensa
que nem ela memória
sabe mais com certeza
qual foi
domingo, 23 de janeiro de 2011
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